sábado, 19 de setembro de 2015

Uma onda vermelha no Ocidente
Alain Frachon - Le Monde
Stefan Wermuth/Reuters
Corbyn foi escolhido líder do Partido Trabalhista britânico em 12 de setembro
Corbyn foi escolhido líder do Partido Trabalhista britânico em 12 de setembro
Bernie Sanders, o autoproclamado "socialista de Vemont" (nordeste dos Estados Unidos), foi o primeiro a saudar a vitória de Jeremy Corbyn, o socialista de Islington (norte de Londres). Mas outros camaradas logo se manifestaram. Após uma primária vencida com folga, Corbyn, da esquerda dura, tornou-se esta semana o líder do Partido Trabalhista britânico. Pablo Iglesias, líder do Podemos, a esquerda radical espanhola, comemorou de Madri esse "avanço na Europa". Em Atenas, o Syriza, primo de primeiro grau do Podemos, recebeu a nomeação de Corbyn como uma "mensagem de esperança". O deputado de Islington pertence a essa onda radical que tem sacudido a esquerda e a centro-esquerda na Europa, e também nos Estados Unidos. Estaria o Ocidente sendo tomado por uma onda vermelha?
Cada situação tem sua peculiaridade. O senador Sanders, 74, não aceita contribuições financeiras superiores a US$ 40 (cerca de R$ 158) e sugere que Wall Street passe por uma grande reforma fiscal.
O senador Sanders tem lotado plateias e segue Hillary Clinton de perto na disputa pela candidatura democrata para a eleição presidencial de novembro de 2016. Aos 66 anos de idade, Corbyn, com uma inabalável amabilidade, defende com orgulho o programa trabalhista dos anos 1970, que inclui: renacionalização de uma parte da economia; desarmamento nuclear; distanciamento da Otan e da União Europeia; crítica à política externa americana.
Um surto radical passou a ameaçar a esquerda governista, aquela que, de uma hora para outra, teve de administrar o pós-crise de 2008 --os trabalhistas do New Labour, o Pasok em Atenas, o PSOE em Madri, o PS em Paris, que deixaram ali parte de sua saúde eleitoral e se esgotaram tentando controlar uma dívida pública maciça em uma conjuntura marcada por uma fragilidade crônica da atividade econômica. E, agora, eles são ultrapassados por esses "esquerdistas", que pretendem acabar com a austeridade (a dívida não é prioridade) e mais ainda punir o mercado financeiro pela crise de 2008, pela qual nenhum grande nome de Wall Street até hoje foi responsabilizado.
As singularidades nacionais vêm modificando, de acordo com cada país, o perfil dessa nova esquerda. Mas ela exprime uma sensibilidade em comum ao formular uma crítica argumentada contra o livre-comércio: todos são contra os grandes tratados de liberalização comercial propostos por Barack Obama.
Ela acredita firmemente na capacidade do Estado de governar a economia mais de perto --apesar da revolução econômica e da globalização do comércio-- e acolhe, positivamente, os grandes fluxos migratórios atuais, uma vez que nenhum desses partidos tem na imigração um bode expiatório.
Ela é veementemente anti-intervencionista na política externa. E, por fim, ela tem o papa Francisco do seu lado, como crítico do capitalismo financeiro.

Experiência grega

E será que essa esquerda mais à esquerda do que a esquerda pode seduzir pelo seu programa? Os militantes, certamente. Mas e os eleitores? O que atrai estes últimos é menos o kit ideológico do que seus porta-vozes. Apesar de suas diferenças de idade e de trajetórias, Sanders, Corbyn, Iglesias, Tsipras têm algo muito importante em comum: um ar de sinceridade e de autenticidade. Eles não dependem de nenhum lobby econômico, não transigem com suas convicções, mantêm o mesmo discurso há muito tempo, não traem seus princípios, e interpelam uma classe política tradicional, acostumada com as idas e vindas no governo e acusada de abandonar princípios e promessas de campanha assim que chegam ao poder.
Enquanto ela não perder sua virgindade nos comandos do Estado, a esquerda da esquerda --assim como a direita da direita-- pode usar essa pureza como vantagem nesses tempos de rejeição geral às elites. Mas por que ela teria começado a fazer sucesso somente agora, e não no pós-2008? Alexis de Tocqueville responderia: exatamente porque a economia está começando a melhorar um pouco. O historiador Simon Schama explica, no "Financial Times": "É nessas horas que um sentimento de desgosto diante de uma distribuição de riquezas das mais desiguais pode provocar um incêndio político".
A esquerda da esquerda acredita na cólera surda, mas real, que é provocada por um capitalismo globalizado onde o crescimento nos últimos trinta anos fez disparar as desigualdades. Sociedades onde 10% da população concentram 50% da riqueza nacional claramente não vão se reconhecer em partidos de centro-direita ou de centro-esquerda. Elas irão em sua grande maioria votar de forma iconoclasta.
Uma vez no poder, a esquerda radical precisará lidar com uma realidade econômica que, tanto para ela quanto para os outros, passa a revelar toda sua complexidade e, muitas vezes, sua autonomia em relação ao Estado. Promessas, lirismo revolucionário e demonstrações brutais de voluntarismo político logo encontram suas limitações.
Alexis Tsipras foi o primeiro a pagar o preço, tendo sido menos vítima de um complô berlinense do que de suas próprias contradições. Já Pablo Iglesias entendeu bem. O líder do Podemos aprendeu com a experiência da Grécia. Não adianta nada "criar um grupo parlamentar que repita que o capitalismo é um sistema desprezível", ele diz ao jornal "Politis", e ainda: "Governar é enfrentar a realidade e isso é bem mais difícil". Mas guardem segredo: essa frase é o início da prudência reformista.

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