segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Europa - um continente sobrecarregado de crises
Wolfgang Munchau - FT/DN
Basta pegarmos em três declarações feitas na semana passada por três dos políticos europeus mais importantes e fazermos as contas. A chanceler alemã, Angela Merkel, disse: a não ser que acordemos num mecanismo para partilhar refugiados, a área europeia de livre-circulação, o espaço Schengen, fica em questão. Manuel Valls, primeiro-ministro francês, disse: não foi o nosso país que decidiu abrir as fronteiras; nós já não podemos receber refugiados. E Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, disse: se Schengen fracassar, o euro fracassa.
Claro que nenhum destes políticos queria dizer aquilo. O que nós estamos a ver aqui é como a política e a economia interagem atualmente na Europa. Não há, evidentemente, nenhuma ligação económica entre Schengen e o euro. Os controlos fronteiriços não estão entre as dez, nem sequer as 50, principais ameaças fundamentais à sustentabilidade a longo prazo da zona euro. Mas o Sr. Juncker tem alguma razão. Schengen e o euro são os projetos mais ambiciosos e mais visíveis da União Europeia. O desfazer do primeiro pode instaurar um precedente.
Como sempre, o papel da Alemanha será crucial. A Sra. Merkel cometeu um erro importante na forma como abriu as portas aos refugiados. Ela não consultou outros líderes políticos, nem sequer o seu próprio partido. Ela subestimou o impacto e não conseguiu fazer os preparativos logísticos. Será realmente surpreendente que alguns países da UE se recusem a aceitar até as modestas quotas propostas?
Há muitos sentimentos feridos na Alemanha. Ouvi recentemente um comentador normalmente equilibrado proclamar que o país que tinha exibido uma atitude tão generosa na crise da zona euro se sentia agora traído pelos Estados membros seus parceiros europeus. Há muita coisa que está errada nesta declaração - para começar, a ideia de que a Alemanha se portou bem durante a crise do euro. E muitos dos países mais relutantes, como a Polónia, nem sequer pertencem à zona euro. Há ira também, para onde quer que se olhe na Alemanha. Os conservadores alemães estão também preocupados com o próximo estímulo monetário do Banco Central Europeu e com as propostas da Comissão Europeia para um seguro de depósito bancário. Eles estão a ver a grande mutualização da dívida a entrar sorrateiramente pela porta das traseiras e olham isso como uma grande traição.
Mesmo os líderes moderados como o Sr. Valls e Mark Rutte, primeiro-ministro holandês, parecem falar com ira quando advogam medidas extremas, como a de fechar as fronteiras Schengen aos refugiados. O Sr. Rutte também estabeleceu a ligação entre a sobrevivência do euro e o futuro da zona de livre-circulação.
O que se está a passar? A resposta simples é que se estão a desenrolar demasiadas crises em simultâneo para as quais a UE não está preparada: os refugiados, o terrorismo, a invasão da Ucrânia pela Rússia, a dívida soberana da zona euro, a crise constitucional portuguesa, a independência da Catalunha, a banca italiana, a Volkswagen. Em breve necessitaremos de uma base de dados das crises para as conseguirmos acompanhar.
A UE, com os seus complexos sistemas de controlos e equilíbrios, regras de votação de dupla maioria em alguma legislação e de unanimidade noutra, não foi construída para lidar com estas questões geopolíticas e geoeconómicas prementes. Foi projetada para negociar acordos comerciais, implementar políticas de concorrência, desembolsar fundos estruturais e delinear uma política de vizinhança. A UE está überfordert - sobrecarregada - por conflitos militares regionais e globais, pela coordenação da política macroeconómica e por emergências humanitárias.
Nunca se deve desperdiçar uma boa crise, era o que costumavam dizer em Bruxelas. Agora já não é assim. No início da década de 1970, o colapso do sistema de Bretton Woods de taxas de câmbio semifixas foi uma dessas crises úteis. Ela desencadeou o longo processo da integração monetária europeia. As recessões do fim da década de 1970 e do início da de 1980 criaram um consenso político que deu origem ao mercado único.
Mas a proliferação de emergências políticas e as competências dos Estados membros e da UE significam que, agora, as crises são rotineiramente desperdiçadas. Nem sequer são resolvidas. O futuro da Grécia na zona euro é agora tão incerto como era no verão. Atenas irá receber mais um empréstimo, mas a única coisa que mudou realmente foi que a história não está nas primeiras páginas. Outras emergências parecem mais importantes.
Atualmente, a resposta da UE a todas estas crises é empurrar com a barriga. Como vimos na crise do euro, isto pode funcionar por uns tempos. Mas, enquanto se podem fazer truques de ilusionismo com a dívida, é mais difícil fazer que isso funcione com os refugiados. Se a fronteira externa não estiver suficientemente bem controlada, os países acabarão por não ter outra hipótese que não seja a de imporem os seus próprios controlos internos. E devem fazê-lo.
O meu conselho é que se concentrem no que, em última instância, é importante: defendam o euro e deixem cair Schengen se necessário. Mas isto exigiria um sentido de direção estratégica até agora ausente. Os sobrecarregados líderes europeus podem acabar por perder os dois.

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