sábado, 16 de julho de 2016

Com 161 mortos, Turquia sem rumo após tentativa de golpe
Militares tentam derrubar Erdogan em noite violenta; desfecho é incerto
O Globo 
ANCARA E ISTAMBUL — Explosões, tiros e informações desencontradas marcaram a madrugada e a manhã de sábado, na Turquia, com o governo sendo alvo de uma tentativa de golpe militar organizada por “uma minoria no seio do Exército”, conforme classificou o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. Confrontos fizeram 161 mortos e 1.440 feridos, declarou o primeiro-ministro Binali Yildirim. Mais de 2,8 mil militares foram presos.
O Ministério de Interior da Turquia, Efkan Ala, ordenou a destituição de cinco generais e 29 coronéis. Segundo o governo turco, a tentativa de golpe militar já está 90% sob controle na manhã deste sábado, embora alguns comandantes militares ainda sejam mantidos reféns pelos insurgentes.
Em pronunciamento pela TV estatal, que chegou a ser tomada, os insurgentes afirmaram ter tomado o poder para proteger a ordem democrática e a manutenção dos direitos humanos, e indicaram que o Estado de Direito seria prioridade. Segundo os militares rebeldes, as tradições seculares do país foram corroídas pelo governo de Erdogan, que tem adotado medidas autoritárias contra a liberdade de imprensa e perseguido jornalistas e juízes.
Em comunicado enviado por e-mail e veiculado por canais de TV turcos, os revoltosos anunciaram o toque de recolher e a aplicação da lei marcial. Redes sociais como Facebook e Twitter, e sites como YouTube tiveram as operações suspensas.
“As Forças Armadas Turcas tomaram o controle do país para restaurar a ordem constitucional, direitos humanos e liberdades, o Estado de Direito e a segurança geral que foi danificada”, indicou o comunicado assinado pelo autoproclamado Conselho de Paz na Nação, que disse não permitir “uma degradação da ordem pública na Turquia”.
Mas após horas de combates noite adentro, o premier Binali Yildirim afirmou que a “tentativa idiota” de golpe de Estado fracassara e a situação estava “amplamente sob controle”, com Erdogan — que conclamou a população a ir às ruas para apoiá-lo, num discurso transmitido pelo software FaceTime — retornando a Istambul. O presidente chegou à cidade e realizou um discurso no Aeroporto de Atatürk, informando que militares envolvidos na quartelada já estavam sendo presos.
— Essa tentativa de golpe foi um ato de traição realizado por uma minoria dentro das Forças Armadas — afirmou o presidente, que prometeu usar a ocasião para realizar o que chamou de “faxina” no Exército turco. — Estava em Marmaris, e o hotel onde estava hospedado foi bombardeado depois que saí de lá. Meu chefe de Estado Maior, Hulusi Akar, foi sequestrado pelos golpistas. Esses homens armados nas ruas estão agindo contra a nação. Esses tanques não são deles. Estes tanques foram confiados a eles e eles violaram essa confiança. Os responsáveis por essas ações pagarão um alto preço por isso.
Afirmando que não deixaria o país e permaneceria junto ao povo, Erdogan culpou o clérigo Fethullah Gülen, exilado nos Estados Unidos, pela tentativa de golpe, classificando seus seguidores como “uma organização terrorista armada”.
— Não há poder maior que o poder do povo — afirmou Erdogan em seu pedido de apoio.
A população ocupou praças e ruas de Istambul e Ancara em apoio ao governo, seguindo a orientação do presidente em apelo transmitido pela CNN Turk. Ele suspendeu as férias para retornar à capital. A rede teve sua transmissão interrompida depois que soldados invadiram a sede da emissora em Istambul.
Segundo o primeiro-ministro Binali Yildirim, centenas de militares envolvidos na tentativa de golpe foram detidos. O premier também afirmou que o Exército tinha ordens expressas para derrubar um avião sequestrado por golpistas. Segundo a agência estatal Anadolu, um helicóptero usado por rebeldes foi abatido por caças da Aeronáutica.
O primeiro-ministro havia anunciado na manhã de sábado a nomeação do general Ümit Dündar como comandante interino do Estado-Maior das Forças Armadas, para o lugar do general Akar, capturado pelos militares. Tropas leais ao governo conseguiram resgatar general Akar da base aérea de Akincilar, no noroeste de Ancara, e levado para um local seguro, segundo a CNN-Turk.
Neste sábado, circula nas redes sociais uma imagem publicada por um funcionário do governo turco do suposto gabinete do premier destruído após a noite de caos e violência.
‘FORA DA CADEIA DE COMANDO’
Um porta-voz da Presidência confirmou que a ação contra o governo foi realizada por um grupo fora do comando do Exército, enquanto imagens mostravam militares sendo detidos por outros membros das forças de segurança. O general Zekai Aksakalli, comandante-geral do Exército, declarou à TV local que as forças especiais estão a serviço do povo.
— Houve um ato ilegal por um grupo dentro do Exército que agiu fora da cadeia de comando. — disse o premier à rede NTV. — O governo eleito pela população continua no poder. Este governo só sairá quando as pessoas disserem isso.
O principal líder da oposição, Kemal Kiliçdaroglu, do Partido Republicano do Povo, afirmou que o país já foi alvo de “uma grande quantidade de golpes” e expressou apoio ao presidente:
— Todos devem saber que o Partido Republicano do Povo é devoto à permanência de nossa democracia.
Explosões violentas e intensas trocas de tiros ocorreram em diversas áreas da capital, deixando vários feridos em meio a um cenário de caos. Jatos sobrevoavam a cidade a baixa altitude. Em Istambul, maior cidade da Turquia, forças de segurança interditaram parcialmente duas pontes que cruzam o Estreito de Bósforo, que separa a Ásia e a Europa.  Militares e policiais entraram em confronto quando membros das Forças Armadas tentaram tomar o prédio da companhia telefônica Telekom. Cidadãos turcos ocuparam a Praça Taksim, palco de manifestações contra Erdogan em 2013, que foi alvo de uma explosão horas mais tarde, assim como o Aeroporto de Atatürk, que teve o terminal aéreo fechado e os voos temporariamente cancelados. Enquanto confrontos ainda eram reportados nas principais cidades, o vice-primeiro-ministro Mehmet Simsek já comemorava a vitória sobre o golpe.
— O governo tem o completo controle da situação — assegurou.

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