Dallagnol: ‘Deve-se arrancar a árvore da corrupção, sob risco de termos um Brasil mais corrupto’
Batalha campal A Lava Jato faz três anos nesta
sexta (17) sob nova onda de pressão exercida pelo Congresso. Não dá,
porém, sinal de recuo. O procurador Deltan Dallagnol diz que a operação
faz aniversário “no auge” e que “os resultados que a sociedade mais
espera virão do trabalho do STF”. Ele afirma que a ida das pessoas às
ruas resultou em uma “combinação poderosa” e convoca: “Precisamos
arrancar a árvore da corrupção, sob risco de termos um Brasil mais
corrupto após a Lava Jato”.
Em branco e preto Dallagnol diz ainda que, talvez, o
maior mérito da Lava Jato foi “ter feito o retrato de uma corrupção que
tem raízes profundas e tentáculos que abraçam uma multidão de órgãos
públicos”. “Não só a quantidade, mas o poder dos acusados levados a
julgamento impressiona.”
É com eles O procurador defende que prisões
“paralisam os crimes, mas não diminuem os estímulos à corrupção” e pede
reformas. “Se não alterarmos os sistemas de Justiça e político, a Lava
Jato será, no futuro, a memória de um tempo de esperança, em que
acreditávamos que tudo poderia ser diferente.”
Leia a íntegra da mensagem de Deltan Dallagnol à coluna:
A Lava Jato chega aos três anos
no auge – até agora, pelo menos – de sua história. A investigação foi
consistente e englobou 746 buscas e apreensões, 183 pedidos de
cooperação internacional, 155 acordos de colaboração com investigados e
10 acordos com empresas.
As provas coletadas conduziram a 56 acusações criminais em
primeira instância, contra 260 pessoas. Já há 26 sentenças condenando
130 pessoas a penas que, somadas, ultrapassam 1,3 mil anos.
Não é só a quantidade, mas o poder dos acusados levados a
julgamento que impressiona. O valor que os réus já se comprometeram a
devolver soma mais de 10 bilhões de reais, quando a regra na justiça
penal brasileira é não recuperar nenhum real. E há muito mais por vir.
Os resultados que a sociedade mais espera ainda virão a partir do
trabalho do Supremo Tribunal Federal, em relação a pessoas que têm foro
privilegiado. A colaboração da Odebrecht lançará uma série de sementes
de investigações, em muitos lugares do Brasil e do exterior, que poderão
germinar e se tornar grandes operações.
Não sabemos ainda se a Lava Jato e
todos os seus resultados inéditos, olhados do futuro, em perspectiva,
serão um pequeno desvio no caminho do país, e ele retornará à estrada
original, ou se ela nos colocará sobre novos trilhos, rumo a um país
menos corrupto. Isso porque ela faz diagnóstico, e não tratamento.
Seu maior mérito talvez seja ter
feito um retrato de uma corrupção que tem raízes profundas em nossa
história e tentáculos que abraçam uma multidão de órgãos públicos. A
investigação só logrou expor as vísceras do ambiente político-econômico,
mas também romper episodicamente a impunidade dos círculos do poder. A
gravidade da doença nos faz desejar ardentemente o tratamento.
Não queremos que a justiça seja
igual para todos, incluindo poderosos, apenas na Lava Jato. Não basta
colocar na cadeia os corruptos da Lava Jato, mas também os outros 97%
daqueles desviam dinheiro público e saem impunes.
As prisões são importantes para
paralisar os crimes, mas elas não diminuem os estímulos à corrupção que
existem no sistema político. Se não alterarmos os sistemas da Justiça e o
político, a Lava Jato será, no futuro, uma feliz memória de um tempo de
esperança, em que acreditávamos que tudo poderia ser diferente.
Isso traz à tona o papel
essencial da sociedade. O maior erro da Itália, acredito, tenha sido
depositar excessivamente a expectativa de uma solução nos ombros do
Judiciário, quando apenas reformas mais profundas poderão nos trazer um
país mais limpo.
A Lava Jato mantém aberta uma
espécie de portal de reformas, mas cabe à sociedade atravessar. Vivíamos
no círculo vicioso em que mudanças jamais aconteceriam. Há um momento
de ruptura, hoje, visível em três aspectos. O diagnóstico conscientizou
as pessoas do mal que a corrupção causa e trouxe o tema para a mesa de
debates na sociedade e no parlamento.
A Lava Jato nos dá o gostinho do
país que podemos ter, onde impera a lei para além do reino do papel. A
população ganhou músculos ao ir para a rua várias vezes, buscando o fim
da corrupção. Assim, a consciência do problema se somou ao sonho de
reformas e à força da sociedade. É uma combinação poderosa.
Se as pessoas não se
insensibilizarem, se não desistirem, chegaremos lá. E isso é vital.
Desbastar galhos de uma árvore pode fazer com que brotem em maior
quantidade e com renovado vigor. Precisamos arrancar essa árvore da
corrupção, sob risco de termos um Brasil mais corrupto após a Lava Jato.
Deltan Dallagnol, procurador da República e coordenador da força-tarefa Lava Jato na Procuradoria da República no Paraná
Nenhum comentário:
Postar um comentário