Estado insiste em explorar a sociedade
A sociedade incorporou como patrimônio o
controle da inflação e começa a rejeitar a pagar o custo crescente de
uma enorme máquina pública
O Globo
A semana começa com a reafirmação de um fracasso institucional. Os
responsáveis pela governança da República renovam o atestado da sua
incapacidade de controlar com rigor as contas públicas, como determina a
Constituição.
O déficit nas contas públicas deste ano aumenta de R$ 139 bilhões
para R$ 159 bilhões. O rombo previsto para o ano que vem pode subir de
R$ 129 bilhões para R$ 149 bilhões. Ou seja, os 208 milhões de
brasileiros devem desembolsar R$ 308 bilhões a mais para cobrir gastos
extras do Executivo, Legislativo e Judiciário.
É uma derrama, transferência de renda da sociedade para o Estado,
proporcional a 5% de toda a riqueza produzida. Significa imposição de
uma cobrança equivalente a R$ 1.480,00 por habitante, num país onde o
rendimento domiciliar não passa de R$ 1.000,00 por mês em 15 das 27
unidades da federação, conforme o IBGE. É uma arquitetura da ruína.
Esgrimindo com a Constituição, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário zelam pela independência nos orçamentos. Omitem-se, porém, na
obrigação de harmonia. Essa falta de sintonia no cumprimento do dever
expresso na Carta levou o país ao desastre econômico que ameaça, de
fato, os fundamentos do estado democrático, como a manutenção dos
serviços públicos de saúde, educação e segurança.
Exigida pela sociedade, a desinflação é um avanço considerável. Ela
expõe a irracionalidade na gestão do Estado e, principalmente, a
resiliência em executar mudanças necessárias nas despesas com
previdência e pessoal, que consomem dois terços dos tributos coletados.
Percebe-se nos três poderes, nos partidos e no estamento burocrático
federal, estadual e municipal, uma insistência em confrontar a
sociedade, revoltada com a dominação do setor público pelo espírito de
casta, na concessão de privilégios crescentes a seus integrantes. Essa
repulsa permeou a resposta coletiva ao presidente da República, na
semana passada, quando especulou sobre aumento de impostos.
Na transição da ditadura para a democracia, há três décadas, o Brasil
conheceu a vida como ela é na hiperinflação — aumento de preços de 84%
ao mês. A coletividade decidiu pela ruptura e forçou lideranças à
estabilização. Premiou o artífice com dois mandatos presidenciais.
Esse é um patrimônio social, consolidado e inalienável como ficou
demonstrado no impeachment da presidente Dilma Rousseff, cujo legado foi
o exponencial desarranjo fiscal.
Tem-se, agora, um novo quadro: a sociedade começa a dizer aos líderes
do Estado que o tamanho do setor público já não cabe no bolso dos
cidadãos. É preciso mudar, já, começando pela agenda de reformas de
Michel Temer. Ambiciosa na retórica, ela está cada dia mais depauperada
em privilégio das corporações estatais e paraestatais dependentes dos
orçamentos dos três poderes.
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