Onda de 'turismofobia' alcança o verão europeu
Entre ganhos econômicos e superlotação, viajantes são hostilizados
Silvia Pisani - O Globo
Morador exibe cartaz que diz “Eu não quero ir embora, vou ficar”, em
protesto em Veneza: governo ameaça restringir número de turistas na
cidade - MANUEL SILVESTRI / REUTERS
Não é mais só o medo de ataques fundamentalistas que deve
entrar na conta dos turistas. Embora bem longe desse extremo, as férias
em alguns países europeus podem virar um pesadelo diante da crescente e
descontrolada agressão de ativistas radicais aos viajantes estrangeiros,
a quem se atribui a culpa por grande parte dos problemas urbanos. Não
raro, aparece o grito de guerra “Fora o turismo desta cidade!” na
Espanha, tanto em grafites nas ruas quanto na bravata de grupos jovens
que irrompem em hotéis ou em ônibus de visitantes para provocar medo. O
fenômeno se repete em cidades italianas, onde a massa de turistas
querendo explorar monumentos toma conta dos centros históricos.
Uma
dessas ações agressivas ocorreu no início do mês em hotéis de
Barcelona, um dos epicentros do movimento. Houve pânico entre os
hóspedes. Alguns eram idosos à espera do jantar. O evento foi cancelado
em meio a uma chuva de vidros quebrados. Não houve detidos, nem é
provável que haja. Por um lado, porque não parece haver vontade e
decisão política para enfrentar o fenômeno. Por outro, porque é
operacionalmente difícil: segundo testemunhas, os vândalos estavam
disfarçados de palhaços ou encapuzados. Nos dias seguintes, eles
surgiram em restaurantes da zona costeira e amedrontaram viajantes.
Danificaram bicicletas de aluguel, afirmando que são usadas
principalmente por turistas.
A “turismofobia” se reaquece em outros destinos do verão
europeu, para além de grandes centros turísticos urbanos como Paris e
Florença. Protestos com até 2,5 mil pessoas têm surgido em “La
Serenissima”, como é popularmente conhecida Veneza. Parte de seus 55 mil
habitantes pede políticas públicas que beneficiem quem vive na cidade
histórica, enquanto mais de dois habitantes por dia se veem obrigados a
deixar suas casas por conta da grande massa diária de turistas pelas
ruas. Gritando o slogan “Eu não vou embora”, os manifestantes
protestaram contra a alta no preço dos imóveis, a substituição de
serviços essenciais por lojas de suvenires e a passagem de navios de
cruzeiro por seus canais.
Luca Zaia, governador da região do Vêneto, cuja capital é
Veneza, ameaçou restringir a quantidade de turistas que vão ao centro
histórico diariamente. Um dos planos é controlar os acessos de pessoas e
embarcações à Praça São Marcos, no coração da cidade. Outra polêmica é o
comportamento pouco polido de muitos turistas nos canais e prédios
históricos de Veneza. A prefeitura aumentou a multa para quem “violar o
decoro”. Em Roma, a cidade se vê obrigada a fiscalizar turistas em
locais como a Fontana di Trevi para evitar que subam ou danifiquem a
fonte.
Palma de Mallorca, nas Ilhas Baleares; Valência; Barcelona; a
Ilha de Ibiza; Nápoles; Cannes e Atenas também estão em alerta diante
do mal-estar dos habitantes, que consideram que o crescimento do turismo
representa exploração sem controle e elevação dos preços no dia a dia.
No entanto, a polêmica representa um dilema para a indústria
turística que, em países como Itália e Espanha, representa mais de 10%
do Produto Interno Bruto (PIB). O turismo estrangeiro não para de
crescer para os espanhóis. A previsão para este ano é de 84 milhões de
visitantes. O país tem população de 46,6 milhões e, a cada ano, perde
habitantes.
— É uma bênção maldita. Seu próprio e singular petróleo. A
Espanha não pode viver sem o turismo e o ataca — diz Javier Fernandez
Carvajal, da Associação de Hoteleiros da Andaluzia.
‘MINHA CASA NÃO É UM HOTEL’
A
aversão ao turismo barulhento e invasivo cresceu, em nível global, com o
advento dos sites que oferecem apartamentos turísticos. “Minha casa não
é um hotel” é um lema com o qual se identificam vizinhos indignados em
Barcelona, onde essa oferta privada provocou um aumento de mais de 100%
nos aluguéis.
— Não consigo casa. Hoje, pago € 500 mensais, mas o
proprietário quer o apartamento para alugar a turistas. Pedem-me € 930
por um lugar pior. É ou isso ou a rua — reclamou um morador de
Barcelona.
Outro componente atípico do coquetel é a reivindicação de
independência. Soberanistas radicais da Catalunha e do País Basco
aproveitaram a desordem para ressuscitar um vandalismo de rua de cunho
separatista que estava quase desaparecido. E já anunciaram marchas
contra o turismo e os estrangeiros. No rastro do problema de uma
indústria que tem crescido em níveis desafiadores, encontraram uma nova
fonte para se fazer ouvir.
— Em vez de se ocuparem das coisas que realmente afligem os
cidadãos, os governos ficam obcecados com ficções separatistas. Logo,
tudo se mescla e volta a aparecer — diz Miguel Gutiérrez, do partido
espanhol Cidadãos.
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