domingo, 13 de agosto de 2017

Onda de 'turismofobia' alcança o verão europeu
Entre ganhos econômicos e superlotação, viajantes são hostilizados
 
Morador exibe cartaz que diz “Eu não quero ir embora, vou ficar”, em protesto em Veneza: governo ameaça restringir número de turistas na cidade - MANUEL SILVESTRI / REUTERS 
Não é mais só o medo de ataques fundamentalistas que deve entrar na conta dos turistas. Embora bem longe desse extremo, as férias em alguns países europeus podem virar um pesadelo diante da crescente e descontrolada agressão de ativistas radicais aos viajantes estrangeiros, a quem se atribui a culpa por grande parte dos problemas urbanos. Não raro, aparece o grito de guerra “Fora o turismo desta cidade!” na Espanha, tanto em grafites nas ruas quanto na bravata de grupos jovens que irrompem em hotéis ou em ônibus de visitantes para provocar medo. O fenômeno se repete em cidades italianas, onde a massa de turistas querendo explorar monumentos toma conta dos centros históricos.
Uma dessas ações agressivas ocorreu no início do mês em hotéis de Barcelona, um dos epicentros do movimento. Houve pânico entre os hóspedes. Alguns eram idosos à espera do jantar. O evento foi cancelado em meio a uma chuva de vidros quebrados. Não houve detidos, nem é provável que haja. Por um lado, porque não parece haver vontade e decisão política para enfrentar o fenômeno. Por outro, porque é operacionalmente difícil: segundo testemunhas, os vândalos estavam disfarçados de palhaços ou encapuzados. Nos dias seguintes, eles surgiram em restaurantes da zona costeira e amedrontaram viajantes. Danificaram bicicletas de aluguel, afirmando que são usadas principalmente por turistas.
A “turismofobia” se reaquece em outros destinos do verão europeu, para além de grandes centros turísticos urbanos como Paris e Florença. Protestos com até 2,5 mil pessoas têm surgido em “La Serenissima”, como é popularmente conhecida Veneza. Parte de seus 55 mil habitantes pede políticas públicas que beneficiem quem vive na cidade histórica, enquanto mais de dois habitantes por dia se veem obrigados a deixar suas casas por conta da grande massa diária de turistas pelas ruas. Gritando o slogan “Eu não vou embora”, os manifestantes protestaram contra a alta no preço dos imóveis, a substituição de serviços essenciais por lojas de suvenires e a passagem de navios de cruzeiro por seus canais.
Luca Zaia, governador da região do Vêneto, cuja capital é Veneza, ameaçou restringir a quantidade de turistas que vão ao centro histórico diariamente. Um dos planos é controlar os acessos de pessoas e embarcações à Praça São Marcos, no coração da cidade. Outra polêmica é o comportamento pouco polido de muitos turistas nos canais e prédios históricos de Veneza. A prefeitura aumentou a multa para quem “violar o decoro”. Em Roma, a cidade se vê obrigada a fiscalizar turistas em locais como a Fontana di Trevi para evitar que subam ou danifiquem a fonte.
Palma de Mallorca, nas Ilhas Baleares; Valência; Barcelona; a Ilha de Ibiza; Nápoles; Cannes e Atenas também estão em alerta diante do mal-estar dos habitantes, que consideram que o crescimento do turismo representa exploração sem controle e elevação dos preços no dia a dia.
No entanto, a polêmica representa um dilema para a indústria turística que, em países como Itália e Espanha, representa mais de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). O turismo estrangeiro não para de crescer para os espanhóis. A previsão para este ano é de 84 milhões de visitantes. O país tem população de 46,6 milhões e, a cada ano, perde habitantes.
— É uma bênção maldita. Seu próprio e singular petróleo. A Espanha não pode viver sem o turismo e o ataca — diz Javier Fernandez Carvajal, da Associação de Hoteleiros da Andaluzia.
‘MINHA CASA NÃO É UM HOTEL’
A aversão ao turismo barulhento e invasivo cresceu, em nível global, com o advento dos sites que oferecem apartamentos turísticos. “Minha casa não é um hotel” é um lema com o qual se identificam vizinhos indignados em Barcelona, onde essa oferta privada provocou um aumento de mais de 100% nos aluguéis.
— Não consigo casa. Hoje, pago € 500 mensais, mas o proprietário quer o apartamento para alugar a turistas. Pedem-me € 930 por um lugar pior. É ou isso ou a rua — reclamou um morador de Barcelona.
Outro componente atípico do coquetel é a reivindicação de independência. Soberanistas radicais da Catalunha e do País Basco aproveitaram a desordem para ressuscitar um vandalismo de rua de cunho separatista que estava quase desaparecido. E já anunciaram marchas contra o turismo e os estrangeiros. No rastro do problema de uma indústria que tem crescido em níveis desafiadores, encontraram uma nova fonte para se fazer ouvir.
— Em vez de se ocuparem das coisas que realmente afligem os cidadãos, os governos ficam obcecados com ficções separatistas. Logo, tudo se mescla e volta a aparecer — diz Miguel Gutiérrez, do partido espanhol Cidadãos.

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