quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Para especialistas, população não foi para as ruas porque está descrente
Oposição também não teria interesse real em afastar Temer

No dia 17 de abril do ano passado, quando a Câmara autorizou a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, 79 mil pessoas, de acordo com a Polícia Militar (PM), ocuparam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Manifestantes pró e contra o afastamento da petista foram separados por um muro, como forma de prevenir atos violentos. Ontem, cerca de 350 pessoas se reuniram no gramado em frente ao Congresso, no final da tarde, para pedir que os deputados autorizassem a investigação por corrupção passiva contra o presidente Michel Temer. Durante o dia, o gramado da Esplanada dos Ministérios tinha três manifestantes — dois desistiram e foram embora, sobrou um.
Estudiosos ouvidos pelo GLOBO atribuem a ausência de grandes manifestações pelo afastamento ou permanência de Temer à descrença da população com a política, à falta de interesse real da oposição em afastar o peemedebista e à impopularidade recorde do governo.
— Há uma ausência de mobilizadores que convoquem manifestações nos dois lados da polarização (política). O MBL (Movimento Brasil Livre) e o Vem pra Rua (que convocaram manifestações pelo impeachment de Dilma) saíram de cena. Pelo lado petista também não há interesse em convocar grandes manifestações. A nenhum dos dois lados interessa a saída do Temer. Do lado governista, por razões óbvias, e, do lado do PT, porque interessa um desgaste (do presidente) para chegar a 2018 com uma oportunidade maior (de vitória) — disse Esther Solano, doutora em Ciências Sociais pela Universidad Complutense de Madrid e uma das autoras do livro “Mascarados: a verdadeira história dos adeptos da tática black bloc".
Para Esther, a população está “saturada” e por isso não foi espontaneamente para as ruas:
— Já se viu que o sistema todo é corrupto. A população não sente mais a raiva que sentia, que a levou a ir para a rua achando que algo ia mudar.
VÁCUO POLÍTICO
Um dos motivos para a atual desmobilização apontado pelo cientista político Fernando Sá, professor do Departamento de Comunicação Social da Puc-Rio, seria a falta de alternativas que empolguem a população no caso de afastamento de Temer.
— Estamos em um momento de vácuo político e há a própria inconsistência do “Fora Temer". É “Fora Temer" e entra quem? Você não tem hoje muito por que lutar. Acho até que ele fica por causa disso, por falta de opção política — disse Fernando Sá, que tem pós-doutorado em História Política Contemporânea.
Outro fator apontado por ele é o desgaste do PT, que teria afetado a capacidade de mobilização do partido. Por outro lado, os setores que foram para as ruas pedir o impeachment de Dilma estariam agora “envergonhados” com os escândalos do governo Temer.
POPULAÇÃO ENTORPECIDA
Para o cientista político e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Testa, a população está “entorpecida”:
— Aqui em Brasília a classe média estava totalmente contrária à Dilma, e o governo (Dilma) pagou para as centras sindicais trazerem muitas pessoas (para as ruas). Em São Paulo, a própria Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) ajudou bastante na oposição ao governo Dilma. Agora, as centrais sindicais estão sem dinheiro e, se têm dinheiro, não estão querendo gastar para mobilizar. Já a população está em total descrédito com o governo Temer e entendeu que ele vai continuar. A esperança é que em 2018 venha alguma mudança.
Doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Oscar Vilhena, que é diretor da Escola de Direito da FGV-SP, considera que os escândalos de corrupção que atingiram diferentes partidos, em especial PT e PSDB, afetaram a credibilidade das lideranças políticas. O quadro teria se agravado com a falta de autocrítica.
— Isso gerou, a meu ver, uma inércia, uma dificuldade enorme de mobilização. Muito embora a sociedade civil tenha capacidade de mobilização, é evidente que os sindicatos associados a partidos políticos e os próprios partidos é que alavancam e dão magnitude às manifestações. Acho que isso (ruas vazias) é sinal de que o país carece hoje de lideranças confiáveis — afirmou Vilhena.
Para o cientista político Felipe Borba, professor adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), a esquerda perdeu a capacidade de mobilização:
— A falta de mobilização popular expressa a incapacidade da esquerda tradicional em mobilizar a sociedade, principalmente o eleitor de centro, mais moderado. A esquerda parece não ter recursos necessários para essa mobilização em larga escala, principalmente por ter deixado de ser, ao menos neste momento, alternativa ao projeto que Temer representa.

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