segunda-feira, 28 de abril de 2014

Casal encontra esconderijo para amor proibido nas montanhas do Afeganistão
Rod Nordland - NYT
Diego Ibarra Sanchez/The New York Times
Mohammad Ali (à esq.) e Zakia, que fugiu de sua aldeia no Vale Bamiyan  
Mohammad Ali (à esq.) e Zakia, que fugiu de 
sua aldeia no Vale Bamiyan
Eles deixaram o vilarejo no Vale Bamian no primeiro dia da primavera, mas o mês de fuga os levou de volta para o inverno uma vez que se refugiaram no alto das montanhas escarpadas no centro do Afeganistão. Eles ficaram nas casas de amigos quando puderam, e dormiram em cavernas quando não.
Mohammad Ali, 21, e Zakia, 18, são fugitivos, mas eles estão juntos finalmente, casados por mulá, depois de serem mantidos longe um do outro pelas famílias que desaprovavam sua união e pelo tabu de suas diferentes etnias e seitas. A família dela ameaçou matá-los, e agora eles enfrentam a possibilidade de prisão também, uma vez que polícia procura por eles por causa do que eles dizem ser acusações forjadas de bigamia e "tentativa de adultério".
Há uma semana, eles chegaram à casa espaçosa de paredes de terra de Haji e Zahra num promontório com vista para um vale com plantações de trigo e batata recém-aradas ao longo de um rio de correnteza rápida. Em três dos lados, montanhas imponentes ainda cobertas de neve protegem da vista a aldeia de apenas quatro casas, e a estrada mais próxima fica depois de uma trilha íngreme e passa por uma ponte instável de madeira – um esconderijo perfeito, e uma pitoresca lua-de-mel.
Haji e Zahra são parentes distantes e ex-vizinhos de Mohammad Ali, e receberam o casal apesar de terem oito filhos, e pouca coisa em termos de alimento além de pão, arroz e chá.
Quando Mohammad Ali e Zakia relataram como a família dela se opôs ao casamento por ser de tajiks sunitas ao passo que ele é hazara xiita, e como os dois tentaram durante anos persuadir seus pais a permitir que eles ficassem juntos, Zahra e Haji logo concordaram que o casal deveria ficar.
"Eu apoio o que eles fizeram; eles se amam", disse Zahra. "E em nome de Deus, eu decidi que nós deveríamos ajudá-los."
Este é o oitavo lugar em que o casal ficou desde a noite em que Zakia fugiu de um abrigo de mulheres em Bamian, onde ela havia passado meses em custódia por ordem de um tribunal. Em determinado momento, eles tentaram fugir através da fronteira iraniana, mas os traficantes de lá queriam mais dinheiro do que tinham, e Mohammad Ali temia que Zakia não sobrevivesse à longa caminhada.
Por um tempo, eles se refugiaram na província de Ghazni, uma área perigosa com uma grande população hazara.
Por fim, chegaram a estas montanhas, onde conseguiram pelo menos encontrar amigos e parentes distantes, embora nem todos os tenham recebido bem. Uma vez, em que ninguém os abrigou, o casal teve de dormir numa encosta de montanha; duas noites, embora eles estivessem próximos de uma cidade grande, temiam ir até lá, e dormiram em uma caverna na periferia.
Quando chegaram à casa de Haji e Zahra, disse Mohammad Ali, só lhe restavam seus últimos mil afeganis – menos de US$ 20. Não havia sinal de celular a menos que ele subisse no alto de um pico próximo de 4.270 metros de altura, e normalmente nem isso funcionava. Ele precisava fazer telefonemas para arranjar seu próximo refúgio.
Enquanto isso, descreveram a situação como uma semana no paraíso. "Podíamos sair para caminhadas nas montanhas", disse ele. "Em todos os outros lugares, tínhamos que nos esconder dentro de casa."
O capim verde se alastra pela encosta da montanha, fornecendo forragem para alimentar burros e ovelhas, e lembrando Mohammad Ali e Zakia de sua infância compartilhada, quando eles cuidavam juntos dos animais de suas famílias; suas fazendas eram vizinhas.
"Eles pareciam tão felizes juntos", disse Zahra. "Eles ficaram aqui a semana inteira, nunca brigavam nem ficavam zangados um com o outro."
Na sexta-feira, a realidade os alcançou. O pai de Mohammad Ali, Anwar, e o irmão mais velho, Bismullah, 27, foram visitar o local porque havia circulado a notícia de onde o casal estava se escondendo. Uma mulher, outra parente distante, voltando de um funeral, havia visitado Zahra e Hami e viu o casal lá.
"Aquela mulher estúpida", disse Zahra. "Algumas pessoas não sabem guardar um segredo."
Haji se manifestou: "eles precisam ir embora daqui hoje."
Não houve nenhuma discussão nem ressentimento. Zakia logo arrumou duas sacolas de plástico nas quais eles guardavam suas roupas, junto com uma mochila pequena. Os olhos de Zahra se encheram de lágrimas. "Ela o ama e queria ficar com ele, só isso", disse ela. "Mas o problema é que se isso se torna uma disputa entre famílias, elas podem se matar – e a eles também."
Anwar achou que seria a última vez que veria seu filho e nora, e ele tinha algo a dizer. A primeira vez que ouviu falar sobre o plano de Mohammad Ali de se casar com Zakia, Anwar bateu no filho com tanta violência que o jovem ficou com escoriações no rosto por meses. Mas desde então, o pai voltou atrás.
"Minha nora ficou ao lado do meu filho e foi corajosa o bastante para dizer que o ama, e para nós é uma honra apoiá-la", disse Anwar. "Ela agora faz parte da minha família." Tanto Anwar quanto Bismullah ficaram com os olhos vermelhos de emoção. (Como muitos afegãos, nenhum deles usa o sobrenome; no caso de Haji e Zahra, seus sobrenomes não foram divulgados para protegê-los.)
Mohammad Ali e Zakia eram os únicos que não pareciam desolados, dando risadas e sorrindo facilmente um para o outro, mesmo enquanto se preparavam para fugir novamente. "Vale a pena, porque nós nos amamos", disse ele. "É claro que estamos preocupados com nossa segurança, mas nossa felicidade é maior do que a preocupação."
"Como posso ficar triste?", perguntou Zakia, e arrumou os véus sobre seu rosto. "Estamos juntos; estou com meu amor." Mohammad Ali sugeriu que ela usasse uma burca que cobrisse tudo como disfarce, mas ela se recusou com orgulho.
"Não posso vestir aquela coisa", disse ela.
Eles esperavam estar a centenas de quilômetros dali na manhã de sábado, mas não tinham certeza para que lado deveriam ir. A estrada para o norte passa pelo território do Taleban. Para o oeste, um território de bandidos, onde eles corriam o risco de ser roubados – ou pior. A estrada ao sul passa por trechos entre as montanhas, ainda bloqueados pela neve.
Não há estrada para o leste, mas eles sempre podem caminhar.
Tradutor: Eloise De Vylder

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