GE, Siemens e Alstom
Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo
PARIS - Os americanos continuam "fazendo a feira" na
França, mas não para comprar batata ou coxão mole. Não. Eles preferem
adquirir algumas grandes empresas francesas que consideram boas para dar
lucro. Este comportamento será imoral? Absolutamente. O comportamento é
capitalista e típico da globalização, ponto. Quem poderia reclamar? Não
somos todos a favor da globalização? Desta vez, é a americana General
Electric (GE) que abre as operações.
Uma gigante. Com faturamento de mais de US$ 140
bilhões e rentabilidade de 10%, ela emprega 360 mil pessoas. Uma empresa
proteiforme que produz motores de aviões, energia, equipamentos médicos
e deseja crescer sempre.
E a presa? Trata-se da francesa Alstom. Um grupo de prestígio. Trens
TGV, energia, o átomo. Uma gigante também, mas uma gigante em escala
francesa, não mundial. E para manter sua posição na competição entre
todos esses colossos, a Alstom não tem cacife financeiro. Eis porque, a
despeito de resultados bastante razoáveis, a Alstom se dispôs vender uma
parte de seus ativos.
Foi então que a General Electric abriu sua grande bolsa, no fim de
semana, e disse que ficara muito orgulhosa de salvar a Alstom absorvendo
dois terços da divisão de energia da companhia francesa. Sábado, o
negócio parecia fechado. Um dos raros grandes grupos industriais
franceses de ponta seria desmantelado e dois terços dele repatriados
para os EUA.
Mas o governo francês começou a estrilar. O ministro da Indústria,
Arnaud Montebourg, encontrou argumentos "gaullistas" para se opor ao
ogro americano. E montou, a toda pressa, uma "contraofensiva". Como a
Alstom precisa se vender a alguém para sobreviver, Montebourg procurou
outro comprador. E encontrou uma alemã, poderosa e prestigiosa, embora
não tão imensa quanto a GE.
E a toda pressa, no último fim de semana, a Siemens (faturamento de
US$ 76 bilhões e rentabilidade de 5,6%) se propôs a adquirir as
atividades de energia da Alstom. Começou uma luta contra o relógio. A
GE, apoiada pelo presidente da Alstom, queria concluir o negócio. Mas o
ministro francês da Indústria conseguiu empurrar o prazo para hoje,
dando à alemã Siemens um tempo para detalhar sua oferta e aumentar sua
credibilidade. Jogou-se neste fim de semana, pois, um pugilato entre um
peso pesado americano e um peso pesado alemão.
Por que Paris, resignada a ceder parte da Alstom, prefere a
"predadora" alemã Siemens à "predadora" americana GE? Antes de mais
nada, uma preferência psicológica. O estilo prático, cínico, desenvolto e
ostentatório dos grandes monstros do outro lado do Atlântico exaspera a
França onde persiste, desde os tempos do general de Gaulle, um sólido
sentimento antiamericano.
Ademais, enquanto há dez anos o governo francês, com Nicolas Sarkozy à
frente do ministério das Finanças, havia sido contrário que a Siemens -
a mesma Siemens - pusesse as mãos na Alstom, a "predadora de ontem" se
tornou a "salvadora" de agora.
Houve outra razão. A França, que como muitos países
europeus acredita cada vez menos na União Europeia no modelo de
Bruxelas, acredita cada vez mais em associações de tecnologia, de
finanças, de know-how, entre tais ou tais países europeus. Isto quer
dizer que Paris gostaria de criar um poderoso grupo franco-alemão de
energia, um pouco sobre o modelo do único sucesso da Europa, a
fabricante de aviões Airbus.
A ideia é razoável e fascinante até. Em caso de colapso da União
Europeia, ela constituiria a única chance de ressuscitar uma Europa
esgotada por 60 anos "de Europa".
Infelizmente, as chances da Siemens parecem pequenas. Em primeiro
lugar porque a GE é uma força incrível e, ademais, a empresa americana
prepara seu bote há meses enquanto a Siemens improvisou o seu de
afogadilho.
E tem mais: GE e Alstom têm atividades semelhantes, mas também
atividades divergentes. É possível, pois, reconfigurar as duas empresas
para o benefício de ambas. A Siemens, ao contrário, é pouco parecida com
a Alstom, de modo que é difícil perceber como a divisão da Alstom
poderia permitir uma sinergia eficaz nas duas empresas.
Há dois meses, a parte mais viva, mais moderna, da economia francesa
vem sofrendo sangrias perigosas. A sede da Publicis mudou para Amsterdã,
a dos cimentos Lafarge para Zurique. Será que veremos a sede da Alstom
partir para Atlanta ou Chicago? É para temer e deplorar.
TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
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