terça-feira, 1 de abril de 2014

Obama tenta retomar confiança da população após espionagem
Philippe Bernard - Le Monde
Como recuperar a confiança dos americanos, abalada pelas revelações sobre a intrusão da NSA em suas comunicações privadas, sem ser acusado de desarmar a Agência Nacional de Segurança, que deveria prevenir os atos de terrorismo? Barack Obama acredita ter resolvido essa complexa equação, que surgiu abruptamente com as revelações de Edward Snowden.
Se o Congresso seguir as propostas feitas pelo presidente, na quinta-feira (27), a NSA deixará de guardar os rastros de centenas de bilhões de chamadas telefônicas feitas pelos americanos. Em compensação, a agência poderá, com o controle de juízes, ter acesso a esses metadados (quem liga para quem, quando etc.) que agora são guardados somente pelas operadoras telefônicas. Estas terão a obrigação de armazená-los no mínimo durante 18 meses, como hoje, ao passo que os colossais computadores da NSA os guardam na memória durante cinco anos.
Essas novas regras "nos permitirão tratar como se deve o perigo de ataques terroristas, ao mesmo tempo em que se consideram as preocupações do público", declarou o presidente Obama, na terça-feira, na cúpula do G7, em Haia. Para permitir que o Congresso estude o caso, Obama renovou por 90 dias a autorização concedida à NSA para coletar os dados, que expirava na sexta-feira (28).

"Um grande avanço e uma vitória para a privacidade"

A decisão foi criticada em um editorial do "New York Times": "Se o presidente realmente quer acabar com o arquivamento em massa dos dados telefônicos (…), ele só precisa decidir, imediatamente", disse o jornal, exprimindo o temor de que o projeto seja reduzido ou até mesmo caia no esquecimento, em meio ao turbilhão parlamentar.
No entanto, a orientação decidida por Obama marca, nove meses após o início das revelações de Snowden, a primeira revisão sobre as práticas secretas, maciças e juridicamente duvidosas criadas por George Bush após o 11 de setembro e que o atual presidente havia endossado.
É um "grande avanço e uma vitória para a privacidade", comemorou Anthony Romero, presidente da influente União Americana para as Liberdades Cívicas (Aclu). "Mas esse precisa ser o começo de uma reforma da vigilância, não o fim."
Enquanto um texto preparado na Câmara dos Representantes só prevê um controle judiciário a posteriori, o projeto da Casa Branca exige das agências de inteligência que elas justifiquem perante um juiz seu pedido de obtenção de dados telefônicos.
Dado esse aval, as companhias de telefone teriam a obrigação de fornecer rapidamente os dados em questão. O projeto presidencial limita as investigações aos telefonemas feitos por uma pessoa suspeita de atividades terroristas e por seus próprios contatos. Até hoje, a NSA podia remontar até os contatos dos contatos de um suspeito.

As propostas presidenciais, um "esforço louvável"

Uma vez colocados esses princípios, muitas questões permanecem em suspense: como os juízes interpretarão as "suspeitas razoáveis e específicas" de ligações com o terrorismo necessárias para a comunicação de dados às agências de inteligência? Como serão definidos os "casos de urgência" para os quais o parecer dos juízes não seria requisitado? Todos os métodos de captura de dados foram considerados? E a internet? O que a NSA fará com o volume de dados que ela já possui? O tribunal Fisa, encarregado de controlar o uso dos dados e cujas decisões são secretas, será obrigado a mais transparência?
Sem esquecer a intrusão nas comunicações feitas nos países estrangeiros, que transformaram as revelações de Snowden em escândalo mundial. Barack Obama reconheceu que "por causa dessas revelações (…), nós precisamos reconquistar a confiança não somente dos governos, mas, mais importante ainda, dos cidadãos comuns. Isso não será feito em um dia".
Além do contexto político --48% dos americanos consideram útil a coleta de dados telefônicos para combater o terrorismo, mas 60% deles pensam que Edward Snowden enfraqueceu a segurança do país--, a pressão das operadoras telefônicas, manchadas por sua colaboração com a NSA, darão o tom do debate parlamentar que está por vir.
A democrata Dianne Feinstein, presidente da comissão da inteligência do Senado, que é contra uma ampla reforma da NSA, já aceitou abrir o debate sobre as propostas presidenciais, que ela avaliou como sendo um "esforço louvável".
Essas discussões, as primeiras desde os abusos pós-11 de setembro, também poderiam ser afetadas pela controvérsia sobre o verdadeiro status de Edward Snowden, refugiado na Rússia de Vladimir Putin. No domingo, o republicano Mike Rogers, homólogo de Feinstein na Câmara, afirmou que não havia dúvidas para os serviços especializados de que o ex-colaborador da NSA estava "sob influência dos serviços de inteligência russos".
Nem todos os americanos compartilham da opinião do ex-presidente Jimmy Carter, que "consideraria conceder clemência" ao denunciante mais célebre do mundo: mais de 60% deles querem que ele seja julgado nos Estados Unidos.

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