Paradoxos
José Paulo Kupfer - O Estado de S.Paulo
A economia brasileira vive um momento estranho. Enquanto
os indicadores macroeconômicos apresentam piora, os mercados de ativos
reagem positivamente. Nem mesmo o rebaixamento da nota de crédito do
Brasil pela agência de classificação de riscos Standard&Poor's
inverteu o sinal.
Não foi só a S&P que colocou a economia um degrau abaixo. Na
semana passada, ao divulgar o Relatório de Inflação do primeiro
trimestre, o Banco Central também reconheceu um quadro econômico
piorado. A um só tempo, o BC elevou suas projeções para a inflação em
2014, de 5,6% para 6,1%, e reduziu as de crescimento do PIB, de 2,3%
para 2%. E ainda rebaixou as expectativas para o setor externo,
reduzindo as projeções do saldo comercial, de US$ 10 bilhões para US$ 8
bilhões, e elevando as do déficit em transações, no ano, de US$ 78
bilhões para US$ 80 bilhões.
Nada disso foi capaz de derrubar os mercados de câmbio e de ações,
que fugiram à letra da regra convencional: em vez de cair, como seria de
esperar quando a economia vai mal, ambos subiram. A variação do
Ibovespa, principal índice de ações do mercado, acumulou, em março,
ganhos de 7%, voltando a ingressar no terreno dos 50 mil pontos. Também
em março, o real registrou valorização de 3,5% ante o dólar.
Tal situação parece não fazer muito sentido e faria menos sentido
ainda imaginar serem duradouros esses movimentos de alta, diante de
perspectivas econômicas deterioradas. Mesmo em períodos de oscilações
mais fortes nos mercados, como o atual, os fundamentos da economia
costumam formar uma base mínima de sustentação das trajetórias
percorridas pelos ativos. Conjunturas de paradoxos raramente resistem
além de um curto prazo regido por circunstâncias esporádicas.
Estão faltando, porém, explicações realmente convincentes para o
atual descompasso. No caso das ações, o mercado tem atribuído o repique
das cotações a pesquisas de opinião que mostram perda de popularidade da
presidente Dilma e de seu governo, ampliando as possibilidades de
derrota nas eleições deste ano. OK, a hipótese de que a vitória de algum
candidato oposicionista significaria libertar a Petrobrás, a grande
estrela dos pregões, da garras intervencionistas que sufocam sua
rentabilidade é plausível, mas ainda muitíssimo frágil e incerta.
Insuficiente também é a explicação corrente para a temporada de
valorização do real ante o dólar. A razão mais difundida entre analistas
de mercado é a da migração de recursos de outros grandes emergentes,
sobretudo a Rússia, às voltas com a reanexação da Crimeia, para o
mercado brasileiro, antes da prevista retomada dos juros nos Estados
Unidos. Essa pode ser até uma parte da história, mas também não chega a
ser uma hipótese convincente.
Mais provável é que a elevação das taxas de juros, no Brasil, esteja
funcionando como aspirador de inversões de estrangeiros, em movimento
reforçado pela previsibilidade que o programa de compras de divisas
mantido pelo BC oferece ao investidor e pela liquidez sem igual entre os
emergentes do mercado cambial brasileiro. Com juros altos, tendendo a
subir, crescem os retornos e, assim, não há pessimismo com a condução da
política econômica que resista. Só nos últimos 12 meses encerrados em
fevereiro, ingressaram no mercado de renda fixa mais de US$ 20 bilhões.
Quanto à Bolsa, se, no tempo em que os animais falavam, altas taxas
de juros eram sinônimo de perdas, nos dias atuais, com investidores
externos ativos, a dinâmica mudou. Aumentou a influência do "efeito
manada" e, em consequência, o espaço para "overshootings" - tanto para
cima quanto para baixo. Nesse ambiente, a regra de mercado mais singela,
segundo a qual as cotações dos papéis sobem porque estão baixas e caem
porque estão altas, talvez acabe sendo a melhor explicação para o que se
passa nos pregões em momentos mais instáveis da economia.
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