Rod Nordland - NYT
Finais felizes em histórias de amor afegãs são cada vez mais raros. E para um jovem casal da província de Bamian as probabilidades dessa conclusão estão ficando ainda mais distantes.
Mohammad Ali e
Zakia, que nunca ficaram juntos sozinhos mas enfrentaram a ira de suas
famílias depois de declararem publicamente que queriam se casar,
conseguiram escapar e até encontraram um mulá [clérigo muçulmano] que se
dispôs a casá-los.
Agora estão sendo caçados não só por suas famílias, como também pela polícia. E as pessoas que tentaram ajudá-los nas últimas semanas enfrentam dificuldades por causa disso.
Sua lua-de-mel está sendo passada em um esconderijo, enquanto as autoridades os procuram por acusações do crime de bigamia feitas pelo pai da garota, que também ameaçou publicamente matar sua filha para vingar a honra da família.
A polícia deteve duas mulheres por ajudarem Zakia a escapar. Além disso, a chefe do Ministério das Mulheres de Bamian, Fatima Kazimi, fugiu no sábado, dizendo-se preocupada com a retaliação contra ela e sua família por ajudar a jovem Zakia a fugir da ira de seu pai.
Kazimi também foi acusada de ajudar Zakia, 18, a fugir com Mohammad Ali, 21. Zakia havia sido colocada por ordem judicial em um abrigo de mulheres, protegida de sua família, mas também impedida de partir para encontrar seu futuro marido. (Como muitos afegãos, nenhum deles tem sobrenome.)
Um tribunal de Bamian, no centro do Afeganistão, havia ordenado que Zakia voltasse para sua família, mas o Ministério das Mulheres interveio, convencido de que os parentes praticariam o "assassinato de honra" por serem contra os planos do casal. Zakia é membro do grupo étnico tajique e Mohammad Ali é um hazara. Kazimi acusou o tribunal de Bamian, dominado por tajiques, de interferir porque o casal é de grupos étnicos diferentes; o tribunal respondeu ordenando que Kazimi seja demitida de seu cargo.
Quando juízes transferiram o caso de Zakia para um tribunal em Cabul, porém, Zakia temeu que o tribunal fosse simpático à posição de sua família e decidiu que sua única opção era fugir.
De algum modo, Mohammad Ali tinha conseguido levar um telefone para o abrigo de mulheres e planejou a fuga de Zakia para a noite de 20 de março, um dia antes de seu caso ser transferido. Ajudada por outras mulheres no abrigo, ela empilhou colchões apoiados a uma parede e à meia-noite subiu neles e saltou.
Ali esperava no carro de um amigo, e eles foram levados diretamente a um mulá em uma comunidade rural, que os casou.
O percurso de manhã cedo até a casa do mulá foi a primeira vez em que eles ficaram sozinhos juntos como adultos; eles cresceram em fazendas vizinhas.
O pai de Zakia acusou Kazimi e as autoridades do abrigo de mulheres de cumplicidade na fuga, o que Kazimi negou. "Eu não vou desistir", disse ele. "Se alguém perde suas galinhas, vai procurá-las para trazê-las de volta. Como posso não procurar minha filha, que era uma parte do meu fígado?"
Zaman insistiu que não pretende prejudicar sua filha, mas simplesmente quer que ela volte. Kazimi e Zakia disseram que estão convencidas de que ele praticaria as ameaças feitas anteriormente de matar as duas mulheres, assim como Ali.
Zaman hoje afirma que sua filha já tinha sido legalmente casada com seu sobrinho, embora a cerimônia e a consumação do casamento não tivessem ocorrido. Ele apresentou acusações de bigamia depois da fuga.
O chefe de polícia de Bamian, Khudayar Qudsi, disse que está procurando o casal. "A questão hoje é séria, já que a menina saiu do abrigo e escapou", disse ele.
Amigos dizem que o casal pretendia fugir do país, mas mesmo antes da escapada Mohammad Ali descobriu que o pai de Zakia esteve no departamento de passaportes de Bamian para bloquear qualquer tentativa de obter o documento.
O caso reflete um conflito entre a lei islâmica xariá, práticas habituais no Afeganistão e a lei civil. Enquanto Zakia é legalmente adulta, e pode legalmente se casar pela lei civil, sob a prática islâmica local ela não pode se casar sem o consentimento do pai.
Além disso, é totalmente possível que seu pai a tenha casado com seu sobrinho sem a presença dela, uma prática comum no Afeganistão. Ela nega ter aceitado essa união e insiste que nunca ocorreu.
Se os dois forem encontrados, provavelmente serão presos enquanto os tribunais afegãos tentam decidir a disputa. Cerca de 75% das mulheres nas prisões afegãs estão lá por "ofensas sociais", muitas delas pelo que é conhecido como "tentativa de adultério", acusação que pode ser feita contra um homem e uma mulher simplesmente por estarem juntos se não forem parentes próximos. O estupro das mulheres sob custódia da polícia é comum, segundo ativistas.
Outras mulheres afegãs foram presas simplesmente com base na suspeita de infidelidade de seu marido.
"Eles poderão ficar na cadeia por muito tempo", disse Kazimi.
Ela está preocupada com seu próprio futuro, por causa de sua atuação firme para tentar salvar a vida de Zakia. "Eu sacrifiquei tudo porque pensei que era o certo", disse ela. "Perdi meu emprego e agora não poderia trabalhar em nenhum lugar no Afeganistão."
"Eu não me importaria se tivesse o mesmo destino que as diretoras do Ministério das Mulheres em Laghman e Kandahar", disse ela, referindo-se a três de suas colegas que foram assassinadas por insurgentes. "Mas temo por meus filhos."
Kazimi disse que não tem ideia de onde o casal está escondido. Ela manifestou preocupação de que eles sejam identificados por causa das fotos publicadas. "A família dos dois é pobre, e duvido que eles tenham algum dinheiro", disse ela. "Não sei como poderão sobreviver por muito tempo."
Tentativas de falar com Mohammad Ali por seu celular não tiveram sucesso. Seus amigos dizem acreditar que seu crédito terminou e ele não teve dinheiro para recarregar.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Agora estão sendo caçados não só por suas famílias, como também pela polícia. E as pessoas que tentaram ajudá-los nas últimas semanas enfrentam dificuldades por causa disso.
Sua lua-de-mel está sendo passada em um esconderijo, enquanto as autoridades os procuram por acusações do crime de bigamia feitas pelo pai da garota, que também ameaçou publicamente matar sua filha para vingar a honra da família.
A polícia deteve duas mulheres por ajudarem Zakia a escapar. Além disso, a chefe do Ministério das Mulheres de Bamian, Fatima Kazimi, fugiu no sábado, dizendo-se preocupada com a retaliação contra ela e sua família por ajudar a jovem Zakia a fugir da ira de seu pai.
Kazimi também foi acusada de ajudar Zakia, 18, a fugir com Mohammad Ali, 21. Zakia havia sido colocada por ordem judicial em um abrigo de mulheres, protegida de sua família, mas também impedida de partir para encontrar seu futuro marido. (Como muitos afegãos, nenhum deles tem sobrenome.)
Um tribunal de Bamian, no centro do Afeganistão, havia ordenado que Zakia voltasse para sua família, mas o Ministério das Mulheres interveio, convencido de que os parentes praticariam o "assassinato de honra" por serem contra os planos do casal. Zakia é membro do grupo étnico tajique e Mohammad Ali é um hazara. Kazimi acusou o tribunal de Bamian, dominado por tajiques, de interferir porque o casal é de grupos étnicos diferentes; o tribunal respondeu ordenando que Kazimi seja demitida de seu cargo.
Quando juízes transferiram o caso de Zakia para um tribunal em Cabul, porém, Zakia temeu que o tribunal fosse simpático à posição de sua família e decidiu que sua única opção era fugir.
De algum modo, Mohammad Ali tinha conseguido levar um telefone para o abrigo de mulheres e planejou a fuga de Zakia para a noite de 20 de março, um dia antes de seu caso ser transferido. Ajudada por outras mulheres no abrigo, ela empilhou colchões apoiados a uma parede e à meia-noite subiu neles e saltou.
Ali esperava no carro de um amigo, e eles foram levados diretamente a um mulá em uma comunidade rural, que os casou.
O percurso de manhã cedo até a casa do mulá foi a primeira vez em que eles ficaram sozinhos juntos como adultos; eles cresceram em fazendas vizinhas.
O pai de Zakia acusou Kazimi e as autoridades do abrigo de mulheres de cumplicidade na fuga, o que Kazimi negou. "Eu não vou desistir", disse ele. "Se alguém perde suas galinhas, vai procurá-las para trazê-las de volta. Como posso não procurar minha filha, que era uma parte do meu fígado?"
Zaman insistiu que não pretende prejudicar sua filha, mas simplesmente quer que ela volte. Kazimi e Zakia disseram que estão convencidas de que ele praticaria as ameaças feitas anteriormente de matar as duas mulheres, assim como Ali.
Zaman hoje afirma que sua filha já tinha sido legalmente casada com seu sobrinho, embora a cerimônia e a consumação do casamento não tivessem ocorrido. Ele apresentou acusações de bigamia depois da fuga.
O chefe de polícia de Bamian, Khudayar Qudsi, disse que está procurando o casal. "A questão hoje é séria, já que a menina saiu do abrigo e escapou", disse ele.
Amigos dizem que o casal pretendia fugir do país, mas mesmo antes da escapada Mohammad Ali descobriu que o pai de Zakia esteve no departamento de passaportes de Bamian para bloquear qualquer tentativa de obter o documento.
O caso reflete um conflito entre a lei islâmica xariá, práticas habituais no Afeganistão e a lei civil. Enquanto Zakia é legalmente adulta, e pode legalmente se casar pela lei civil, sob a prática islâmica local ela não pode se casar sem o consentimento do pai.
Além disso, é totalmente possível que seu pai a tenha casado com seu sobrinho sem a presença dela, uma prática comum no Afeganistão. Ela nega ter aceitado essa união e insiste que nunca ocorreu.
Se os dois forem encontrados, provavelmente serão presos enquanto os tribunais afegãos tentam decidir a disputa. Cerca de 75% das mulheres nas prisões afegãs estão lá por "ofensas sociais", muitas delas pelo que é conhecido como "tentativa de adultério", acusação que pode ser feita contra um homem e uma mulher simplesmente por estarem juntos se não forem parentes próximos. O estupro das mulheres sob custódia da polícia é comum, segundo ativistas.
Outras mulheres afegãs foram presas simplesmente com base na suspeita de infidelidade de seu marido.
"Eles poderão ficar na cadeia por muito tempo", disse Kazimi.
Ela está preocupada com seu próprio futuro, por causa de sua atuação firme para tentar salvar a vida de Zakia. "Eu sacrifiquei tudo porque pensei que era o certo", disse ela. "Perdi meu emprego e agora não poderia trabalhar em nenhum lugar no Afeganistão."
"Eu não me importaria se tivesse o mesmo destino que as diretoras do Ministério das Mulheres em Laghman e Kandahar", disse ela, referindo-se a três de suas colegas que foram assassinadas por insurgentes. "Mas temo por meus filhos."
Kazimi disse que não tem ideia de onde o casal está escondido. Ela manifestou preocupação de que eles sejam identificados por causa das fotos publicadas. "A família dos dois é pobre, e duvido que eles tenham algum dinheiro", disse ela. "Não sei como poderão sobreviver por muito tempo."
Tentativas de falar com Mohammad Ali por seu celular não tiveram sucesso. Seus amigos dizem acreditar que seu crédito terminou e ele não teve dinheiro para recarregar.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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