quinta-feira, 31 de julho de 2014

A Europa castiga Putin
O Estado de S.Paulo
Ainda falta detalhar as penas que a União Europeia (UE) fará a Rússia pagar por incentivar o movimento separatista no leste ucraniano - cuja inominável façanha foi derrubar um jato comercial com 298 pessoas a bordo, confundido com um avião de transporte militar do governo de Kiev. Mas a decisão política de impor à economia russa sanções sem precedentes foi afinal tomada. O abate do Boeing da Malaysia Airlines, há duas semanas, acabou com a relutância do bloco de acompanhar os Estados Unidos nas punições pela anexação da Península da Crimeia à Federação Russa, em março. Só a contragosto os europeus acolheram as demandas do presidente Barack Obama para que também deixassem de fazer negócios com empresas e potentados financeiros da patota de Putin.
Para a Europa, o preço deve ser alto. Seu intercâmbio econômico e financeiro com a Rússia - de US$ 437,5 bilhões anuais - é 11 vezes o dos Estados Unidos. As operações financeiras dos magnatas russos no Reino Unido são um alento para a City. Assim como são, para o setor imobiliário londrino, as compras, por valores extravagantes, de imóveis suntuosos. A Rússia é um dos maiores parceiros da indústria francesa de armamentos e de empresas de alta tecnologia da Alemanha, que importa da Rússia 30% dos insumos energéticos.Ainda assim, a UE criou coragem. Em parte por solidariedade à Holanda, que perdeu na matança 193 cidadãos; em parte pela violação do local em que caiu o Boeing, a resistência das milícias pró-Rússia em entregar as caixas-pretas da aeronave e o aviltamento dos corpos das vítimas; em parte, enfim, pela consciência de que a omissão representaria agora uma capitulação moral; os líderes europeus concordaram em provar a Putin que ele foi longe demais. O acesso dos grandes bancos estatais russos aos mercados europeus de capital foi suspenso, assim como as exportações de equipamentos para o setor petrolífero russo. Restringiram-se as vendas de tecnologia sensível para fins civis ou militares e aprovou-se um embargo de armas ainda não contratadas por Moscou.
É de presumir que o big business europeu foi persuadido a se dobrar diante do inevitável, com o argumento de que, se não for detida, a mal camuflada intervenção de Putin na Ucrânia poderá degenerar numa invasão aberta da região fronteiriça do país, a pretexto de "proteger" as populações russófonas. Um eventual ataque, hão de ter advertido os políticos europeus, desataria uma reação em cadeia da qual se pode prever uma coisa: prejuízos ainda maiores para a ainda cambaleante economia do bloco. Mas ninguém parece ter uma resposta para a pergunta central: como Putin reagirá às sanções? Enquanto elas não baterem no bolso do cidadão comum, dificilmente abalarão a popularidade do autocrata.
Ela se nutre de intensa campanha de propaganda antiocidental, cuja virulência e violação dos fatos lembra a da URSS de Stalin. Cedo ou tarde, porém, a economia russa acusará o golpe. Os analistas acreditam que as sanções foram além do que o Kremlin esperava, pondo em xeque sua tática de desestabilizar o vizinho, mas sem provocar represálias mais agressivas. (Obama, por exemplo, recusa-se a vender armas para a Ucrânia, como pede a oposição republicana.) No fim da semana, quando ganhavam corpo na UE as discussões sobre o troco a dar a Putin, ele mandou publicar no site do governo a avaliação de que "as dificuldades que encontrarmos nos incentivarão a desenvolver capacidade produtiva em áreas onde faz falta".
Já, se Putin não quisesse, a agência oficial de notícias não entrevistaria um de seus mais próximos aliados, o ex-ministro Alexei Kudrin, para ouvi-lo dizer que a crise poderá levar o país a um "confronto histórico", que retardaria o seu desenvolvimento econômico em todos os setores. O empresariado, assinalou, não quer que o Ocidente seja tratado como inimigo. De seu lado, o chanceler Sergei Lavrov negou que a Rússia pretendia retrucar às sanções europeias. Faltou combinar com o Kremlin, que ontem ameaçou elevar o preço do gás exportado para a Europa.

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