A Europa castiga Putin
O Estado de S.Paulo
Ainda falta detalhar as penas que a União
Europeia (UE) fará a Rússia pagar por incentivar o movimento separatista
no leste ucraniano - cuja inominável façanha foi derrubar um jato
comercial com 298 pessoas a bordo, confundido com um avião de transporte
militar do governo de Kiev. Mas a decisão política de impor à economia
russa sanções sem precedentes foi afinal tomada. O abate do Boeing da
Malaysia Airlines, há duas semanas, acabou com a relutância do bloco de
acompanhar os Estados Unidos nas punições pela anexação da Península da
Crimeia à Federação Russa, em março. Só a contragosto os europeus
acolheram as demandas do presidente Barack Obama para que também
deixassem de fazer negócios com empresas e potentados financeiros da
patota de Putin.Para a Europa, o preço deve ser
alto. Seu intercâmbio econômico e financeiro com a Rússia - de US$ 437,5
bilhões anuais - é 11 vezes o dos Estados Unidos. As operações
financeiras dos magnatas russos no Reino Unido são um alento para a
City. Assim como são, para o setor imobiliário londrino, as compras, por
valores extravagantes, de imóveis suntuosos. A Rússia é um dos maiores
parceiros da indústria francesa de armamentos e de empresas de alta
tecnologia da Alemanha, que importa da Rússia 30% dos insumos
energéticos.Ainda assim, a UE criou coragem. Em parte por
solidariedade à Holanda, que perdeu na matança 193 cidadãos; em parte
pela violação do local em que caiu o Boeing, a resistência das milícias
pró-Rússia em entregar as caixas-pretas da aeronave e o aviltamento dos
corpos das vítimas; em parte, enfim, pela consciência de que a omissão
representaria agora uma capitulação moral; os líderes europeus
concordaram em provar a Putin que ele foi longe demais. O acesso dos
grandes bancos estatais russos aos mercados europeus de capital foi
suspenso, assim como as exportações de equipamentos para o setor
petrolífero russo. Restringiram-se as vendas de tecnologia sensível para
fins civis ou militares e aprovou-se um embargo de armas ainda não
contratadas por Moscou.
É de presumir que o big business
europeu foi persuadido a se dobrar diante do inevitável, com o argumento
de que, se não for detida, a mal camuflada intervenção de Putin na
Ucrânia poderá degenerar numa invasão aberta da região fronteiriça do
país, a pretexto de "proteger" as populações russófonas. Um eventual
ataque, hão de ter advertido os políticos europeus, desataria uma reação
em cadeia da qual se pode prever uma coisa: prejuízos ainda maiores
para a ainda cambaleante economia do bloco. Mas ninguém parece ter uma
resposta para a pergunta central: como Putin reagirá às sanções?
Enquanto elas não baterem no bolso do cidadão comum, dificilmente
abalarão a popularidade do autocrata.
Ela se nutre de
intensa campanha de propaganda antiocidental, cuja virulência e violação
dos fatos lembra a da URSS de Stalin. Cedo ou tarde, porém, a economia
russa acusará o golpe. Os analistas acreditam que as sanções foram além
do que o Kremlin esperava, pondo em xeque sua tática de desestabilizar o
vizinho, mas sem provocar represálias mais agressivas. (Obama, por
exemplo, recusa-se a vender armas para a Ucrânia, como pede a oposição
republicana.) No fim da semana, quando ganhavam corpo na UE as
discussões sobre o troco a dar a Putin, ele mandou publicar no site do
governo a avaliação de que "as dificuldades que encontrarmos nos
incentivarão a desenvolver capacidade produtiva em áreas onde faz
falta".
Já, se Putin não quisesse, a agência oficial de
notícias não entrevistaria um de seus mais próximos aliados, o
ex-ministro Alexei Kudrin, para ouvi-lo dizer que a crise poderá levar o
país a um "confronto histórico", que retardaria o seu desenvolvimento
econômico em todos os setores. O empresariado, assinalou, não quer que o
Ocidente seja tratado como inimigo. De seu lado, o chanceler Sergei
Lavrov negou que a Rússia pretendia retrucar às sanções europeias.
Faltou combinar com o Kremlin, que ontem ameaçou elevar o preço do gás
exportado para a Europa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário