quinta-feira, 31 de julho de 2014

Divisão atual é 'mundo da ordem' e 'mundo da desordem'
Thomas L. Friedman - NYT
Eu venho argumentando que a grande divisão no mundo atualmente é entre o mundo da ordem e o crescente mundo da desordem. Se você estiver anotando em casa, mais um país acabou de ser adicionado ao mundo da desordem: a Líbia. Os Estados Unidos discretamente fecharam sua embaixada na Líbia na semana passada e partiram, deixando para trás uma guerra tribal/miliciana de todos contra todos. Nada bom.
Haverá mais disso. Não é mais fácil ser um país. Não há mais a Guerra Fria para escorar, armar e financiar Estados frágeis. Mais importante, as pressões combinadas do mercado (globalização e a velocidade com que o investimento pode entrar nos países fazendo as coisas certas e sair dos países fazendo as coisas erradas), a Lei de Moore (o aumento constante do poder de computação que obriga que todo bom emprego atualmente exija maior escolaridade) e da Mãe Natureza (mudança climática, perda da biodiversidade, erosão e crescimento populacional) passaram todas de certos pontos de virada. Juntos, o mercado, a Mãe Natureza e a Lei de Moore estão estressando os países desenvolvidos e ajudando a explodir os fracos.
Para mim, a fala de filme que captura perfeitamente este momento foi dita pelo líder dos piratas somalis que sequestraram um navio de carga em "Capitão Phillips", estrelado por Tom Hanks. O pirata apelida Phillips, nascido em Boston, de "irlandês". Em uma cena chave, Hanks tenta argumentar com o sequestrador somali, dizendo para ele: "Deve haver outra coisa fora ser um pescador ou sequestrar pessoas".
E o sequestrador responde, "Talvez na América, irlandês. Talvez na América".
Tem sido instrutivo ver todas essas pressões de perto aqui em Madagáscar, um dos países mais pobres do mundo. A globalização do comércio ilícito deixou Madagáscar exposta a comerciantes chineses trabalhando com as autoridades corruptas daqui para importar ilegalmente de tudo, de madeira de jacarandá valiosa até tartarugas raras. Alguns fabricantes globais de têxteis montaram fábricas e então desistiram, quando a política se tornou instável demais. A educação obrigatória aqui vai apenas até os 15 anos e é na língua local malgaxe. Isso dificulta para competir em um mundo onde os países desenvolvidos estão ensinando programação de computadores na primeira série.
E há a Mãe Natureza: a população de Madagáscar está explodindo, e as florestas e solos estão sofrendo erosão. O solo para agricultura aqui é rico em ferro, pobre em nutrientes e frequentemente fofo demais. Como 90% das florestas de Madagáscar foram derrubadas para agricultura, madeira, lenha e carvão ao longo do último século, a maioria das encostas não conta com árvores para segurar o solo quando chove. Sobrevoando a costa noroeste, não dá para não notar a escala do problema.
É possível ver uma pluma gigante vermelha de solo vermelho erodido sangrando pelo Rio Betsiboka, pela Baía de Mahajanga, pelo Oceano Índico. O problema é tão grande que astronautas tiram fotos disso do espaço.
"Quanto maior a erosão, mais pessoas têm menos solo sob seus pés para cultivar coisas", disse Russ Mittermeier, o presidente da Conservação Internacional, que está trabalhando em Madagáscar para ajudar a preservar seu meio ambiente desde 1984 e que me guiou na visita. "Quando cheguei aqui em 1984, a população era de 9 ou 10 milhões. Agora se aproxima de 23 milhões."
Quando países têm rápido crescimento populacional e capital natural em rápida diminuição, a liderança necessária para atender a escala dos problemas enfrentados é nada menos que hercúlea. Após 50 anos de má liderança, Madagáscar tem um novo presidente eleito, pós-golpe, Hery Rajaonarimampianina. Ele parece querer fazer a coisa certa. Nós só podemos esperar que ele tenha um Hércules dentro de si.
Nada do que ele faça será mais importante do que preservar o que restou das praias e florestas imaculadas, e das espécies de animais e plantas (particularmente seus lêmures), entre as mais raras e diversas do mundo. Parques e reservas foram criados pelo governo –e mesmo com a destruição ainda resta muito o que ver– mas só serão sustentáveis se foram apoiados por pousadas de ecoturismo e guias provenientes das comunidades locais, incentivadas a proteger seu capital natural. Mas para isso é preciso que o governo possa expandir as áreas protegidas, construir estradas apropriadas (as estradas rurais daqui têm mais buracos do que pavimento), reprimir a extração ilegal de madeira e fornecer crédito para as comunidades rurais.
Serge Rajaobelina é o fundador da Fanamby, uma organização sem fins lucrativos local que apoia os aldeões que abrem empreendimentos de ecoturismo, como o Campo Amoureux, situado no oeste de Madagáscar, em meio a baobás gigantes espetaculares. Nós ficamos hospedados ali. Dentre as 25 pessoas locais trabalhando ali, 22 eram mulheres.
"Envolver as comunidades no ecoturismo é a chave", disse Rajaobelina. "As pessoas que estão sempre no campo são as comunidades, e elas são as melhores conservacionistas e guias." Mas, ele acrescentou, elas precisam de ajuda com a capacidade de construção: treinamento, acesso a crédito e infraestrutura.
Já existem pessoas demais no mundo dizendo: "Talvez na América, mas não aqui". Nós não precisamos de mais. Manter Madagáscar fora do mundo da desordem precisa começar pela preservação de seus ecossistemas, que são vitais para o sustento de sua população e para atrair o turismo. Mas isso exige boa liderança e, atualmente, bons líderes –em qualquer lugar– são a espécie mais rara de todas.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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