Divisão atual é 'mundo da ordem' e 'mundo da desordem'
Thomas L. Friedman - NYT
Eu venho argumentando que a grande divisão no mundo atualmente é entre o
mundo da ordem e o crescente mundo da desordem. Se você estiver
anotando em casa, mais um país acabou de ser adicionado ao mundo da
desordem: a Líbia. Os Estados Unidos discretamente fecharam sua
embaixada na Líbia na semana passada e partiram, deixando para trás uma
guerra tribal/miliciana de todos contra todos. Nada bom.
Haverá
mais disso. Não é mais fácil ser um país. Não há mais a Guerra Fria para
escorar, armar e financiar Estados frágeis. Mais importante, as
pressões combinadas do mercado (globalização e a velocidade com que o
investimento pode entrar nos países fazendo as coisas certas e sair dos
países fazendo as coisas erradas), a Lei de Moore (o aumento constante
do poder de computação que obriga que todo bom emprego atualmente exija
maior escolaridade) e da Mãe Natureza (mudança climática, perda da
biodiversidade, erosão e crescimento populacional) passaram todas de
certos pontos de virada. Juntos, o mercado, a Mãe Natureza e a Lei de
Moore estão estressando os países desenvolvidos e ajudando a explodir os
fracos.
Para mim, a fala de filme que captura perfeitamente este momento foi
dita pelo líder dos piratas somalis que sequestraram um navio de carga
em "Capitão Phillips", estrelado por Tom Hanks. O pirata apelida
Phillips, nascido em Boston, de "irlandês". Em uma cena chave, Hanks
tenta argumentar com o sequestrador somali, dizendo para ele: "Deve
haver outra coisa fora ser um pescador ou sequestrar pessoas".
E o sequestrador responde, "Talvez na América, irlandês. Talvez na América".
Tem sido instrutivo ver todas essas pressões de perto aqui em
Madagáscar, um dos países mais pobres do mundo. A globalização do
comércio ilícito deixou Madagáscar exposta a comerciantes chineses
trabalhando com as autoridades corruptas daqui para importar ilegalmente
de tudo, de madeira de jacarandá valiosa até tartarugas raras. Alguns
fabricantes globais de têxteis montaram fábricas e então desistiram,
quando a política se tornou instável demais. A educação obrigatória aqui
vai apenas até os 15 anos e é na língua local malgaxe. Isso dificulta
para competir em um mundo onde os países desenvolvidos estão ensinando
programação de computadores na primeira série.
E há a Mãe
Natureza: a população de Madagáscar está explodindo, e as florestas e
solos estão sofrendo erosão. O solo para agricultura aqui é rico em
ferro, pobre em nutrientes e frequentemente fofo demais. Como 90% das
florestas de Madagáscar foram derrubadas para agricultura, madeira,
lenha e carvão ao longo do último século, a maioria das encostas não
conta com árvores para segurar o solo quando chove. Sobrevoando a costa
noroeste, não dá para não notar a escala do problema.
É possível
ver uma pluma gigante vermelha de solo vermelho erodido sangrando pelo
Rio Betsiboka, pela Baía de Mahajanga, pelo Oceano Índico. O problema é
tão grande que astronautas tiram fotos disso do espaço.
"Quanto
maior a erosão, mais pessoas têm menos solo sob seus pés para cultivar
coisas", disse Russ Mittermeier, o presidente da Conservação
Internacional, que está trabalhando em Madagáscar para ajudar a
preservar seu meio ambiente desde 1984 e que me guiou na visita. "Quando
cheguei aqui em 1984, a população era de 9 ou 10 milhões. Agora se
aproxima de 23 milhões."
Quando países têm rápido crescimento
populacional e capital natural em rápida diminuição, a liderança
necessária para atender a escala dos problemas enfrentados é nada menos
que hercúlea. Após 50 anos de má liderança, Madagáscar tem um novo
presidente eleito, pós-golpe, Hery Rajaonarimampianina. Ele parece
querer fazer a coisa certa. Nós só podemos esperar que ele tenha um
Hércules dentro de si.
Nada do que ele faça será mais importante
do que preservar o que restou das praias e florestas imaculadas, e das
espécies de animais e plantas (particularmente seus lêmures), entre as
mais raras e diversas do mundo. Parques e reservas foram criados pelo
governo –e mesmo com a destruição ainda resta muito o que ver– mas só
serão sustentáveis se foram apoiados por pousadas de ecoturismo e guias
provenientes das comunidades locais, incentivadas a proteger seu capital
natural. Mas para isso é preciso que o governo possa expandir as áreas
protegidas, construir estradas apropriadas (as estradas rurais daqui têm
mais buracos do que pavimento), reprimir a extração ilegal de madeira e
fornecer crédito para as comunidades rurais.
Serge Rajaobelina é
o fundador da Fanamby, uma organização sem fins lucrativos local que
apoia os aldeões que abrem empreendimentos de ecoturismo, como o Campo
Amoureux, situado no oeste de Madagáscar, em meio a baobás gigantes
espetaculares. Nós ficamos hospedados ali. Dentre as 25 pessoas locais
trabalhando ali, 22 eram mulheres.
"Envolver as comunidades no
ecoturismo é a chave", disse Rajaobelina. "As pessoas que estão sempre
no campo são as comunidades, e elas são as melhores conservacionistas e
guias." Mas, ele acrescentou, elas precisam de ajuda com a capacidade de
construção: treinamento, acesso a crédito e infraestrutura.
Já
existem pessoas demais no mundo dizendo: "Talvez na América, mas não
aqui". Nós não precisamos de mais. Manter Madagáscar fora do mundo da
desordem precisa começar pela preservação de seus ecossistemas, que são
vitais para o sustento de sua população e para atrair o turismo. Mas
isso exige boa liderança e, atualmente, bons líderes –em qualquer lugar–
são a espécie mais rara de todas.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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