Direito do Consumidor e Capitalismo de Estado
Conquanto o racional jurídico não esteja construído com o rigor
da técnica, aí vão algumas reflexões sobre um dos fenômenos mais
bizarros do “Brasil das Maravilhas”. Em comunicado aos seus clientes, um
grande Banco espanhol informou sobre as eleições, as percepções do
mercado e possíveis cenários. Mas, o governo – em campanha para
reeleição – não gostou dos esclarecimentos, pedindo retratação e (pelo
que foi noticiado) a demissão dos analistas. Para facilitar a
compreensão da questão, a nota segue transcrita abaixo:
“A economia brasileira continua apresentando baixo crescimento,
inflação alta e déficit em conta-corrente. A quebra de confiança e o
pessimismo crescente em relação ao Brasil em derrubar ainda mais a
popularidade da presidente, que vem caindo nas últimas pesquisas, e que
tem contribuído para a subida do Ibovespa. Difícil saber até quando vai
durar esse cenário e qual será o desdobramento final de uma queda ainda
maior de Dilma Rousseff nas pesquisas. Se a presidente se estabilizar ou
voltar a subir nas pesquisas, um cenário de reversão pode surgir. O
câmbio voltaria a se desvalorizar, juros longos retomariam alta e o
índice da Bovespa cairia, revertendo parte das altas recentes. Esse
último cenário estaria mais de acordo com a deterioração de nossos
fundamentos macroeconômicos”.
O que há de errado em prestar elucidações aos seus clientes? Nada,
muito até pelo contrário. O esclarecimento acima pode ser visto como
cumprimento estrito e literal do dever de informação estabelecido no
Código de Defesa do Consumidor. Noutros termos, o Banco está noticiando
aos seus clientes para que eles tomem decisões informadas quanto aos
seus investimentos.
Ao se intrometer na relação entre os clientes e o Banco, o Estado
deveria – a rigor – eximir a instituição financeira caso os consumidores
sofram danos decorrentes de investimentos equivocados. É o que se
chama, em direito, de fato do príncipe. Obviamente, é difícil que o
judiciário aceite uma tese dessas. Afinal de contas, é sempre melhor
condenar a empresa privada. Mesmo quando a questão foi noticiada de
forma tão ampla por toda a mídia.
No entanto, esse fato deveria ser importante para que os nossos
juristas e magistrados revisitassem as hipóteses de fato do príncipe. No
Brasil dos últimos 12 anos, o Estado passou a ser extremamente ativo na
economia. Vivemos em um verdadeiro Capitalismo de Estado. Diante desse
cenário, com tamanha intervenção Estatal, por que razão os empresários e
empresas deveriam assumir sozinhos os ônus decorrentes dos danos
causados aos consumidores? Não seria justo que o Estado também arcasse
com a sua parcela? Ora, se o Estado participou da decisão, se ele se
intrometeu, se ele distorceu a realidade resultando em danos, ele é –
também – um responsável ativo pelo dano, e, portanto, deveria responder
por ele.
A coisa, infelizmente, não funciona assim. No entanto, acho que é
importante refletir sobre a matéria. O Governo atual optou por um
perverso Capitalismo de Estado que limita a liberdade e prejudica o
desenvolvimento saudável e coerente. Nesse modelo, o empresário não atua
livremente, respeitando as regras aplicáveis a todos, ele decide os
rumos de seu negócio com base nas indicações ou incentivos do Estado.
Por que, nessa formatação, as empresas devem responder sozinhas perante o
Judiciário? Por que o Estado não pode assumir a sua parcela de culpa
por distorcer o mercado criando verdadeiras aberrações econômicas?
Pena que não consigo vislumbrar essa possibilidade na prática. Talvez
fosse uma forma eficiente de o Judiciário auxiliar na contenção dos
Poderes Executivo e Legislativo, sendo o fiel da balança e evitando
abusos. Nessa hipótese, a magistratura brasileira estaria dando uma
enorme contribuição para a luta pela liberdade individual dos agentes
econômicos, afastando a intromissão perniciosa do Estado que –
lamentavelmente – tem sido a regra em nosso país. Se os riscos
mencionados na nota acima transcrita se materializarem, espero,
sinceramente, que o Estado seja – ao menos – corresponsável. Como seria
bom acordar em um país com essa realidade…
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