Dilma calça as chuteiras
O Estado de S.Paulo
Se o Refis (programa de refinanciamento de
débitos tributários) já é uma oferta de pai para filho à custa dos
contribuintes que pagam impostos em dia, o plano que refinancia as
dívidas dos clubes de futebol, em tramitação no Congresso, levará a um
novo patamar a generosidade do governo com o chapéu alheio. O projeto
foi abraçado pela presidente Dilma Rousseff, interessada nos efeitos
eleitorais de sua cruzada para "salvar" o futebol brasileiro, depois da
vexatória participação da seleção nacional na Copa do Mundo.
Em
recente reunião com presidentes de clubes de futebol, na qual esses
dirigentes expuseram a situação crítica de suas finanças, Dilma se
comprometeu a apressar a tramitação da chamada "Lei de Responsabilidade
do Esporte". O projeto toma emprestado o nome da Lei de Responsabilidade
Fiscal para sugerir que, uma vez aprovado, haverá um saneamento dos
clubes, que passariam a ter mais prudência ao fazer seus milionários
negócios.
A urgência se explica pelo fato de alguns clubes,
segundo seus dirigentes, correrem o risco de fechar as portas. "Temos
de correr. Tem clube que não chega ao final do ano se esse projeto não
for aprovado", disse o secretário de futebol do Ministério do Esporte,
Antônio Nascimento, dando a entender que, a depender do governo, clubes
de futebol, façam o que fizerem, serão sempre socorridos.
No
encontro, o presidente do Botafogo, Maurício Assumpção, disse à
presidente que pensa em retirar o time do Campeonato Brasileiro por não
ter como pagar os salários dos jogadores, uma vez que as receitas do
clube estão penhoradas pela Justiça para o pagamento de suas dívidas, da
ordem de R$ 700 milhões. Em jogo recente, os atletas do Botafogo
entraram em campo com uma faixa na qual protestavam pelo atraso no
pagamento de salários e de direitos trabalhistas.
Mas o
Botafogo, como os demais clubes endividados, não chegou a essa situação
em razão de algum cataclismo, e sim por causa de - no mínimo -
incompetência. Muito se falou nos últimos anos em "modernização" da
administração do futebol, mas a maioria dos clubes ainda é gerida de
forma obscura. O principal problema é que o futebol é tratado como um
universo paralelo, em que se gastam fortunas para contratar e manter
jogadores e técnicos de suposto "alto nível", enquanto no mundo real os
dirigentes vivem a reclamar que a conta não fecha.
Em vez
de defender os interesses da maioria dos contribuintes, Dilma preferiu
ouvir os apelos dos cartolas - pois a única coisa que importa é o
impacto disso na eleição - e mandou constituir uma comissão para
elaborar um texto final para o projeto, tendo em vista as reivindicações
dos clubes.
O projeto atual refinancia as dívidas com o
INSS, o Imposto de Renda, o FGTS e o Banco Central, de cerca de R$ 4
bilhões. Os débitos serão unificados, com pagamento em até 300
prestações, corrigidas pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje em
5%, em vez da Selic, que está em 11%. Além disso, a dívida sofrerá
correção retroativa pela TJLP.
Em troca, os clubes se
comprometem a pagar as dívidas e a manter os salários dos funcionários
em dia - mas os cartolas já negociam com os parlamentares para que a
punição àqueles que não cumprirem o prometido seja apenas a perda de
pontos nos campeonatos, e não o rebaixamento automático, como previa o
projeto.
Comparando-se essas condições com as do Refis,
observa-se que os clubes poderão ter diversos privilégios em relação aos
demais devedores. O parcelamento máximo no Refis é de 180 meses, e as
empresas que aderem são obrigadas a quitar até 20% logo de saída -
enquanto os clubes querem carência de três anos.
"Nós só
queremos que nos sejam dados mecanismos para corrigir o passado", disse o
presidente do São Paulo, Carlos Miguel Aidar. Mas são justamente esses
mecanismos que - por beneficiar grandes devedores e criar a expectativa
de que sempre haverá alguma forma de anistia - estimulam o calote.
Portanto, nada indica que o novo socorro aos clubes de futebol será o
último.
Nenhum comentário:
Postar um comentário