O dinheiro e a informação
Qualquer analista diria que um segundo mandato da presidente Dilma não seria bom para o investidor comum
CARLOS ALBERTO SARDENBERG - O Globo
Jornalistas,
pelo menos aqui no sistema Globo, não podem recomendar investimentos
financeiros. Jornalistas e comentaristas de economia não podem nem ter
ações de qualquer empresa, pela ética e pela prática. O profissional
pode ser isento, mas as aparências contam aqui. O público terá todo o
direito de desconfiar do comentário, se souber que um comentarista está
vendendo ou comprando ações de uma estatal.
É a mesma coisa com os jornalistas de gastronomia. Não podem aceitar uma boca-livre e depois comentar sobre aquele restaurante.
Já
houve muita fraude e muito comportamento errado entre jornalistas, aqui
e lá fora. Como prevenir? Uma hipótese seria impor severa
regulamentação legal para o trabalho dos jornalistas — uma péssima saída
porque levaria fatalmente a uma severa restrição à liberdade de
imprensa. O princípio maior é que a imprensa tem de ser livre. Se é boa
ou não, isso depende da sociedade, do público que vai consumir ou não
esta ou aquela publicação.
Por isso, veículos sérios adotam
códigos de ética. O controle interno é o melhor. Com o tempo, o público
reconhece o caráter do veículo. Distingue entre o chapa-branca e o
isento, entre o oportunista e o sério, entre o que quer fazer dinheiro a
qualquer custo e o que quer fazer dinheiro com o jornalismo sério.
Sim,
claro, o jornalismo sério se equivoca não raras vezes. Mas volta ao
assunto, reconhece, refaz. Tinha que ter alguma vantagem isso de ter de
produzir notícia todos os dias...
Resumindo, jornalistas podem
tratar de qualquer tema, podem dizer que uma empresa vai bem — e mostrar
os dados — ou que um setor vai mal, mas não devem dizer “compre isto”,
“venda sua casa e aplique em juros”, coisas assim.
É diferente a situação dos analistas de investimentos. O cliente de um banco precisa de orientações específicas.
Analista
de investimento é uma profissão. “Broker” também. Para montar um grupo
de investidores e formar, por exemplo, um clube de ações, o sujeito
precisa de licença e autorização da Comissão de Valores Mobiliários.
Idem para recomendar aplicações.
A regulamentação, aqui e lá
fora, também resulta de equívocos e malfeitos cometidos ao longo do
tempo. O mais comum era — e pode ser — o banco indicar investimentos que
serão ruins para o investidor e bons para o banco. Imagine que o banco,
na sua Tesouraria, comprou ações da Petrobras e quer se livrar delas.
Se sair por aí dizendo que os papéis da estatal vão subir e, para ajudar
um pouco, colocar um “laranja” para comprar lotes desses papéis e
forçar uma valorização inicial, trata-se de um grande roubo.
Tem
lei e regulamentação para tentar administrar o conflito de interesses
que pode haver entre o cliente/investidor, o banco e o dono do banco.
Por
isso, o setor do banco que se relaciona com os clientes, informando e
sugerindo aplicações, tem que ser independente. Deve ser assim num
mercado sério. O Brasil tem melhorado nesse aspecto, com regulamentações
e prática. Uma delas é a ampla publicidade: analistas de investimentos
vêm a público todos os dias com seus relatórios. Recomendam compra ou
venda de ações, indicam qual o preço alvo. Os relatórios vão para os
clientes e frequentemente são distribuídos para a imprensa. Como fazem
as consultorias nacionais ou estrangeiras.
Ora, é evidente que a
política tem a ver com a economia. As políticas do governo Dilma
provocaram enorme desvalorização das ações da Petrobras, o caso mais
forte. Questionada sobre isso, a presidente já argumentou que as
estatais não trabalham para especuladores — e colocou assim no mesmo
saco os grandes especuladores, os trabalhadores que colocaram seu FGTS
na estatal e o investidor comum que simplesmente pensava em juntar
algumas economias.
Tudo considerado, qualquer analista diria que
um segundo mandato da presidente Dilma não seria bom para o investidor
comum. Mesmo admitindo que a atual gestão da Petrobras pode trazer
resultados a longo prazo, o fato é que, no momento, a companhia não
coloca o lucro e o interesse do investidor minoritário como objetivo
central.
Foi o que disse o pobre ou a pobre analista do
Santander. E é o que estão dizendo todos, repetindo, todos os demais
analistas há muito tempo. Normal.
Ruim foi a reação do governo,
escolhendo um alvo fácil para se declarar vítima de terrorismo, em vez
de contestar os dados. Ameaçou assim a liberdade de informação.
Pior
foi a reação da direção do banco, que pediu desculpas ao governo e
demitiu o(a) analista. Disse que ele(a) fizera coisa errada. Quer dizer
que o certo é comprar ações quando aumentarem as chances de Dilma? Os
clientes do banco foram enganados nos últimos relatórios ou estão sendo
enganados agora?
E o dono do banco, Dom Emilio Botin, defendeu o
seu negócio. O governo é regulador e muito bom cliente. Uma ordem, e
governos, prefeituras e entidades públicas podem fechar contas com o
Santander. Resumo: prevaleceram o ataque à liberdade de informação e de
fazer negócios; e o interesse do banqueiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário