quinta-feira, 31 de julho de 2014

Templo suntuoso e irregular
O Estado de S.Paulo
O suntuoso Templo de Salomão, da Igreja Universal do Reino de Deus, localizado no bairro do Brás, na região central da capital, exibe números impressionantes - desde o custo de R$ 680 milhões até a capacidade para 10 mil pessoas sentadas, que o tornam o maior templo do País, deixando atrás a Basílica de Aparecida. Mas, fica-se sabendo agora, no momento de sua inauguração - para a qual foram convidados, e aceitaram, a presidente Dilma Rousseff e o governador Geraldo Alckmin -, que ele pode se transformar também numa das piores demonstrações, das mais escandalosas, do menosprezo dos poderosos pela lei.
O Ministério Público Estadual (MPE) decidiu abrir inquérito para investigar o caso, e com razões de sobra. Afinal, está constatado que o templo foi construído com base num alvará de reforma expedido em 2008. Reforma adicional de 64.519 m², em terreno que tinha área construída de 2.687,32 m², parece inconcebível. Não é preciso ser técnico para perceber o absurdo de considerar o Templo de Salomão uma simples reforma, pois isso desafia o mais elementar bom senso. Mesmo assim, a Igreja Universal conseguiu na Secretaria Municipal de Habitação o tal alvará, emitido pelo setor responsável, à época dirigido por Hussain Aref Saab, demitido em 2012 por suspeita de enriquecimento ilícito. O certo, para construções de mais de 5 mil m² e 499 vagas de estacionamento, como era o caso - o templo tem dimensões muito maiores e 1,2 mil vagas -, é alvará de obra nova, conforme determina a lei dos polos geradores de tráfego, de 2010.
Com isso, a Igreja Universal se livrou do pagamento de 5% do valor da obra - R$ 34 milhões - em contrapartidas e melhorias para o sistema viário no entorno do templo. Para sacramentar o negócio, a Secretaria renovou o alvará de reforma em 11 de dezembro de 2010, quando a nova lei dos polos geradores já estava em vigor. Com isso, as melhorias se limitaram ao rebaixamento de cinco guias de cruzamentos, instalação de sete semáforos no entorno do templo e o plantio de 25 mudas de árvores.
A pedido do MPE, justamente impressionado com a sem-cerimônia com que a legislação e o interesse público foram ignorados nesse caso, a Prefeitura informou que um projeto modificativo de alvará de reforma foi apresentado pela Igreja Universal em 2011 e indeferido. E um pedido de reconsideração do indeferimento está em análise. Esse vaivém parece indicar que a Igreja Universal queria se precaver e que a Prefeitura finalmente se deu conta de que a coisa tinha ido longe demais. Mas nem isso - nem o fato de o templo não dispor de alvará definitivo - impediu que a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) fornecesse uma das certidões exigidas para a inauguração.
Um outro fato ilustra bem a ligeireza com que essa questão vem sendo tratada. O relatório do impacto de vizinhança, documento também exigido para a abertura do templo, foi feito por uma empresa contratada pela própria Igreja Universal. Tanto isso o torna suspeito que ele ainda não foi aceito pela Secretaria Municipal de Licenciamento. Está sendo analisado. A Igreja Universal, é claro, afirma que está tudo em ordem e desconhece a investigação do MPE.
A palavra do MPE, que se espera venha em breve, é por isso da maior importância para pôr em pratos limpos esse caso que combina, da maneira mais lamentável possível, o atropelo da lei, por parte de uma igreja, para disso tirar vantagem material, a tolerância da Prefeitura a essa manobra e a participação talvez involuntária - é de presumir que elas não sabiam com o que estavam se envolvendo ao aceitarem o convite para a inauguração - das mais altas autoridades da União e do Estado.
Não é a primeira vez que certas igrejas assim procedem, tentando passar por cima da legislação que regula as construções e a lei do silêncio, sistematicamente desrespeitada por barulhentos cultos. Já é hora, portanto, de começar a separar nitidamente o que é manifestação religiosa de outras práticas que se escondem sob esse manto, por parte de igrejas que se julgam acima da lei.

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