Reação autoritária
Classificar o informe do Santander de “interferência eleitoral” é completamente descabido
Gazeta do Povo - PR
Quando
um cliente confia seu dinheiro a um banco, o mínimo que espera da
instituição e de seus funcionários é um aconselhamento sincero sobre as
perspectivas da economia e as melhores formas de fazer render os
recursos depositados. Aos analistas do banco cabe interpretar os sinais
vindos de diversas fontes e traçar cenários com base em possibilidades
futuras. Foi o que o banco Santander fez na semana passada, quando
enviou a clientes do segmento Select (com renda mensal acima de R$ 10
mil) um informe no qual dizia que “se a presidente [Dilma Rousseff] se
estabilizar ou voltar a subir nas pesquisas [de intenção de voto para a
Presidência], um cenário de reversão pode surgir. O câmbio voltaria a se
desvalorizar, juros longos retomariam alta e o índice da Bovespa
cairia, revertendo parte das altas recentes”. A reação a essa análise
mostrou o quanto o país – ou pelo menos algumas de suas lideranças –
ainda pode estar longe de um genuíno apreço pela liberdade de expressão.
O
presidente do PT, Rui Falcão, deixou fluir a verve totalitária que lhe é
característica e falou em “terrorismo eleitoral”. “Instituições
bancárias ou financeiras não podem fazer manifestações que interfiram na
decisão do voto”, afirmou. “Terrorismo econômico” foi a expressão usada
pelo site Muda Mais, vinculado à campanha de Dilma Rousseff. A
presidente, em sabatina a alguns veículos de comunicação, classificou o
episódio como “inadmissível”. “Um país não deve aceitar uma
interferência de qualquer instituição financeira de qualquer nível”,
disse. O ex-presidente Lula, bem menos sutil, pediu a cabeça dos
responsáveis. “Botín [Emílio Botín, presidente mundial do Santander], é o
seguinte, querido: tenho consciência de que não foi você quem falou.
Mas essa moça tua que falou não entende p... nenhuma de Brasil, e nada
de governo Dilma. Manter uma mulher dessa em cargo de chefia,
sinceramente… Pode mandar embora e dar o bônus dela pra mim que eu sei o
que falo”, afirmou na segunda-feira, em evento da CUT. Na terça-feira,
Botín confirmou uma demissão. Antes, o banco já tinha publicado uma nota
em que, entre outras coisas, reforçava “sua convicção de que a economia
brasileira seguirá sua bem-sucedida trajetória de desenvolvimento”.
Classificar
o informe do Santander de “interferência eleitoral” é completamente
descabido. Trata-se de uma análise habitual, enviada ao mesmo grupo
restrito que recebia os demais informes, e que faz parte das obrigações
do banco para com seus clientes. Aliás, o texto meramente dá conta do
comportamento dos mercados – basta verificar como a bolsa sobe logo após
a divulgação de cada pesquisa em que a vantagem de Dilma em relação aos
adversários cai. A maneira como foi escrito o relatório pode até ser
questionável (embora os clientes provavelmente estejam mais preocupados
com a precisão das previsões que com seu linguajar), mas é fato que a
perspectiva da manutenção de uma política econômica equivocada, que está
levando o Brasil a um cenário de baixo crescimento e tolerância com a
inflação, causa e deveria causar apreensão não só entre os mais ricos –
afinal, são os pobres os que mais sofrem com estagnação econômica e
preços em alta. Análises como a do Santander fazem parte do jogo
democrático, algo difícil de entender para quem não admite opiniões
divergentes.
E não deixa de ser irônico o fato de o governo que
acusa bancos privados de “interferência eleitoral” usar os bancos
estatais para fazer política, seja usando seus lucros para ajudar a
fechar as contas (como apontou relatório recente do Tribunal de Contas
da União), seja usando a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil
para forçar reduções de juros. Além disso, o partido que acusa o
Santander de “terrorismo eleitoral” não vê problemas em frases como “Se o
Aécio ganhar a eleição ele vai acabar com a conquista que se consolidou
com o presidente Lula, de valorização do salário mínimo”, dita pelo
presidente da CUT no evento de segunda-feira.
Na Argentina, onde o
governo manipula os números da inflação, economistas já foram
processados por divulgar estatísticas independentes, e a Justiça chegou a
pedir dados pessoais de jornalistas que escreveram matérias sobre a
alta de preços. Na sabatina de segunda-feira, Dilma prometeu “uma medida
bastante séria” em relação ao Santander, sem entrar em detalhes e
ressaltando que antes conversaria com a diretoria do banco. Se suas
ações futuras forem guiadas pelo voluntarismo que ela deixou
transparecer na reação ao episódio, será preciso lembrá-la de que o
Brasil é uma democracia cuja Constituição felizmente impede qualquer
medida de caráter ditatorial.
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