Banco Central, dr. Jekyll e Mr. Hyde
MARCELO CURADO - GAZETA DO POVO - PR
A
existência de coordenação na política econômica é um dos elementos mais
importantes para uma boa gestão na área. Por exemplo, se o problema a
ser enfrentado num determinado momento é o nível elevado de inflação, o
Banco Central e o Ministério da Fazenda devem agir de modo coordenado
para atingir esse objetivo. Numa situação como esta, cabe ao Banco
Central reduzir a liquidez e ampliar a taxa de juros; e, ao Ministério
da Fazenda, aplicar uma política fiscal contracionista, reduzindo, por
exemplo, os gastos do governo.
Problemas de coordenação na gestão
da política econômica não são raros no Brasil. Na gestão de Lula os
conflitos entre as políticas mais conservadoras do Banco Central e a
heterodoxia do Ministério da Fazenda foram amplamente relatados. No
entanto, as medidas anunciadas pelo Banco Central, alterando as regras
do depósito compulsório e para as reservas dos bancos, colocam o tema da
coordenação da política econômica em outro patamar. Para entender o
problema, é necessário regressar um pouco no tempo.
Entre julho
de 2011 e abril de 2013, o Banco Central, mesmo num contexto de inflação
acima do centro da meta, implementou uma política de redução da taxa de
juros a qualquer preço. O resultado desse equívoco é bem conhecido.
Hoje operamos com a inflação colada no teto da meta. A situação só não é
pior em função da ingerência sobre os preços administrados. Em 2013, a
variação de 5,91% no IPCA resultou de uma elevação de 7,3% nos chamados
preços livres e de 1,52% nos preços monitorados.
Ao perceber o
equívoco, o Banco Central mudou de rumo e passou novamente a executar
uma política de aperto monetário através da ampliação da taxa Selic. A
última ata do Comitê de Política Monetária evidencia a preocupação da
instituição com a inflação e sua resistência à queda. Neste contexto, a
ampliação da liquidez é uma medida equivocada sob vários ângulos de
análise. O mais evidente é que, ao fazê-la, o BC age no sentido
contrário da política de manutenção de um patamar elevado para a taxa
Selic.
O Banco Central justifica que precisa estimular a
atividade econômica por meio da ampliação do crédito. De fato, a medida
pode ter um impacto positivo sobre as decisões de consumo, ampliando
ainda mais o já temerário nível de endividamento das famílias. Acreditar
que o problema do baixo investimento será solucionado com ampliações no
crédito é outro equívoco. Não há falta de crédito para a realização de
investimentos. O problema é de outra natureza. A expectativa de lucros
dos empresários encontra-se deprimida, fruto da deterioração do estado
de confiança geral da economia. Em grande medida, este cenário é o
reflexo da confusa política econômica administrada pelo Banco Central,
mas especialmente pelo Ministério da Fazenda na gestão Dilma.
Em
última análise, a medida é mais um capítulo da infeliz gestão da
política econômica de Dilma e o “samba de uma nota só” do estímulo à
demanda. As medidas anunciadas colocam a discussão sobre coordenação da
política econômica em outro patamar: o da incongruência das medidas
tomadas pelo mesma instituição. Tal como no romance O médico e o
monstro, de Robert Louis Stevenson, o Banco Central assume uma espécie
de dupla personalidade, ora buscando agradar àqueles que se preocupam
com a inflação, ora preocupado em agradar àqueles que acreditam que
falta demanda e que é necessário estimular os gastos no sistema. O
resultado desta bipolaridade é o aumento da incerteza e a perda de
credibilidade na gestão da política econômica.
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