Argentina não é mais aquela
Um calote dos vizinhos deve afetar menos as finanças do Brasil desta vez, mas não sairá de graça
VINICIUS TORRES FREIRE - FSP
A
ARGENTINA pode estar em calote hoje. O Brasil é um dos países mais
frágeis entre "emergentes" maiores, escreveu o pessoal do FMI num
relatório divulgado ontem.
A produção de más notícias domésticas
continua em ritmo notável, ainda que não desastroso. Risco de tumulto na
vizinhança e degradação da imagem econômica brasileira certamente
colaboram para deteriorar a nossa situação. Mas pouco, provavelmente.
Pior mesmo é que a confiança de empresários (indústria e comércio de São
Paulo) ainda cai, assim como o total de crédito concedido a taxas de
mercado, sem direção do governo, como se soube ontem.
A Argentina
tinha até hoje para chegar a um acordo com credores que ganharam na
Justiça dos EUA o direito de receber na íntegra dívidas repudiadas no
calote de 2001, para resumir de modo breve uma história enrolada. Sem
acordo ou pagamento (impossível), a Argentina dará oficialmente outro
calote.
O "evento de crédito" não deve mexer com a finança
mundial, provavelmente nem com a brasileira, embora as sequelas do
calote devam deteriorar a situação argentina, segundo até os raros
observadores ponderados da economia dos vizinhos.
Desde 2001, a
Argentina está fora do mercado de crédito mundial, praticamente não se
financia lá fora. Logo, esse calote não vai afetar dívidas novas, que
praticamente inexistem. Além do mais, apesar da desconfiança em relação a
países emergentes "frágeis" ou "vulneráveis", a finança mundial não
deve associar os problemas desses "emergentes" aos da teratológica
situação argentina. Isto é, não deve haver "contágio".
No
entanto, os argentinos esperam desvalorização adicional do peso, o que
deve dar em mais inflação e recessão algo maior. A Argentina, como se
sabe, compra muito produto industrial do Brasil. Comprava, aliás. Deve
comprar ainda menos, com calote e mais crise.
Neste semestre, as
vendas brasileiras para a Argentina caíram 25,5% em relação ao primeiro
semestre de 2013. As exportações de carros caíram 47%. As de caminhões,
44%. De autopeças, 39%. Quem vende tratores, pneus, sapatos, máquinas e
matéria-prima de plásticos também pena.
Não é um desastre extenso, mas atrapalha bem, como parece óbvio, dado o peso da indústria automobilística.
O
FMI fez ontem algumas manchetes de noticiários "em tempo real", mas
chove no molhado. Repete diagnóstico vulgarizado desde meados de 2013:
países com inflação e deficit externos altos estão mais sujeitos a
tensões quando vier o aperto monetário nos EUA, em 2015. O Brasil está
nessa lista, com África do Sul, Argentina, Índia, Indonésia, Rússia e
Turquia.
No caso de reação tumultuada da finança à mudança dos
juros americanos, pode haver menos crédito externo, venda de ativos
brasileiros (juros sobem, ações caem, real se desvaloriza), como se viu
na reação demente do "mercado" a um indício de aperto americano, de maio
de 2013 ao início deste ano.
Tudo isso, Argentina, FMI, tensão
financeira, aperta o nosso calo. Mas nosso problema principal é ter dado
tiros no próprio pé (consumo, inflação, juros e deficit externo e
fiscal altos).
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