¡Que venga el toro!
A análise do banco nada tem de controverso; é o óbvio, amplamente noticiado, que virou objeto de censura
ALEXANDRE SCHWARTSMAN - FSP
Antes
de tudo, um alerta: para quem não sabe, fui economista-chefe do
Santander entre 2008 e 2011, demitido após discussão pública com o então
presidente da Petrobras. Digo isso porque quero hoje tratar do
imbróglio que envolveu o banco na semana passada, quando foi publicada
análise relacionando o desempenho da presidente nas pesquisas eleitorais
ao comportamento da Bolsa, do dólar e de outros ativos.
A
análise nada trouxe de controverso. Aqui mesmo na Folha, no dia 19,
lia-se na página B3: "Bolsa chega ao maior nível em 16 meses", notando
que "as ações de empresas estatais dispararam na BM&FBovespa e
impulsionaram o principal índice da Bolsa brasileira nesta sexta-feira
(18), após pesquisa Datafolha ter apresentado empate técnico entre a
presidente Dilma Rousseff (PT) e o senador Aécio Neves (PSDB)".
Acrescentou ainda que, "desde que começaram a ser divulgadas pesquisas
apontando perda de espaço da presidente (...), o mercado de ações
nacional, que caía e acentuava queda (...), mudou de tendência".
O
governo e o partido podem não concordar com a avaliação do mercado,
mas, conforme descrito pelo jornal, trata-se de um fato: para bem ou
para mal, a percepção é que uma mudança de orientação de política
econômica terá efeitos positivos sobre as empresas brasileiras, em
particular as sujeitas a controle acionário governamental.
E é
bom notar que o tal mercado pode ter as preferências ideológicas que
quiser, mas, na hora de comprar ou vender uma ação, o que menos
interessa é ideologia; é sempre a perspectiva de lucro que move esses
agentes. Posto de outra forma, ninguém rasga dinheiro em nome de suas
convicções políticas.
O texto do banco, enviado a correntistas
com renda mensal superior a R$ 10 mil, supostamente mais propensos a
operar no mercado financeiro, nada mais fez do que compartilhar esses
fatos, e por um motivo muito claro. Bancos têm um dever fiduciário com
seus clientes: não podem omitir ou distorcer informações relevantes para
sua tomada de decisão.
Em particular, a opinião das áreas de
pesquisa deve refletir exatamente esse tipo de preocupação. Analistas
não estão certos o tempo todo, mas é claro que suas conclusões não devem
ser guiadas pelos interesses da instituição financeira. Não por acaso
as regras buscam (nem sempre com sucesso, diga-se) isolar a pesquisa
econômica das posições próprias do banco e mesmo de áreas que gerenciam
as aplicações de clientes (fundos de investimento), precaução
devidamente apelidada de "muralha da China".
Nesse sentido, a
decisão de demitir os analistas que expuseram, mais que uma opinião, um
fato representa uma violação desse procedimento. A alegação de que a
análise conteria "viés político ou partidário" não se sustenta diante da
própria diretriz interna que "estabelece que toda e qualquer análise
econômica enviada aos clientes restrinja-se à discussão de variáveis que
possam afetar a vida financeira dos correntistas". Não há, como se viu,
a menor dúvida de que as perspectivas acerca da eleição presidencial
são mais que relevantes para afetar a vida financeira dos clientes.
A
consequência desse comportamento é óbvia (e aqui falo em termos gerais,
não do banco em si). Se a autonomia da pesquisa é ameaçada, a
credibilidade da análise fica comprometida, a despeito das qualidades do
analista. Quem, de agora em diante, pode confiar em relatórios se não
sabemos a que tipo de filtros estes se encontram sujeitos?
O
maior perdedor é o debate econômico, ainda mais numa conjuntura em que
--em face de desafios nada triviais no futuro próximo-- ninguém se
aventura a discutir a sério o que precisa ser feito para colocar a
economia brasileira de volta nos eixos. Se até o óbvio, amplamente
noticiado (ainda bem!) pela imprensa, vira objeto de censura, pouco
falta para que fujamos da controvérsia como quem tem um miúra nos
calcanhares.
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