Katrin Kuntz e Gregor Peter Schmitz - Der Spiegel
Virginia Mayo/ AP
Chantal Lebon viu seu filho pela última vez em um ponto de ônibus em Bruxelas. Isso foi há dois anos em outubro, "exatamente às 22h25", ela diz. Abdel levou sua mãe de carro até lá, parou em uma vaga de estacionamento, retirou a mala dela e a deixou na calçada.
"Au revoir, maman", ele disse. "Au revoir, mon fils", ela respondeu. Foi apenas meses depois que ela veria novamente o rosto de seu filho –em um vídeo no YouTube. Ele o mostrava vestindo um lenço palestino e segurando um fuzil Kalashnikov. O vídeo era estampado pela bandeira usada pelo Estado Islâmico na Síria.
Chantal Lebon, 64, é uma enérgica professora aposentada da uma escola maternal com olhos azuis e cabelo grisalho. Ela veio a um café para nos contar a história de seu filho Abdel, a história de uma criança belga que se tornou um combatente radical islâmico aos 23 anos. Abdel não tem ligação com os planos de ataque na Bélgica, diz sua mãe. Mas, ela confirma, seu filho é um jihadista.
A caminho do café em Bruxelas, ela viu soldados montando guarda em frente às delegacias de polícia, fórum e prefeitura. O governo belga elevou o alerta de terror do país ao segundo nível mais alto após as autoridades conseguirem desbaratar os planos de ataque a policiais e escolas judaicas neste mês. No Parlamento Europeu, eventos com mais de 100 convidados estrangeiros foram proibidos e um veículo militar protege a entrada da Comissão Europeia.
Desde 15 de janeiro, o dia em que dois agressores potenciais morreram em Verviers durante uma batida policial e a ameaça terrorista no país se tornou óbvia para todos, muita coisa mudou na Bélgica.
Treze suspeitos foram presos no país neste mês, mas o líder dos supostos planos de ataque, Abdelhamid Abaaoud, 27, permanece foragido e acredita-se que esteja na Grécia. "Eu rezo a Allah que destrua todos aqueles que se opõem a Ele", ele disse em um vídeo. Assim como o filho de Chantal Lebon, Abaaoud também morava em Molenbeek, um distrito no oeste de Bruxelas. Por temer que seu filho Abdel possa estar por trás do próximo plano terrorista na Bélgica, ela preferiu permanecer anônima e seu nome, assim como o de seu filho, foram mudados para este artigo.
A minúscula Bélgica e a jihad
Até 4.000 europeus se juntaram à jihad na Síria, com 1.200 deles provenientes da França e entre 500 e 600 do Reino Unido e Alemanha, respectivamente, segundo as mais recentes estimativas do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização, em Londres. A minúscula Bélgica, com sua população de 11 milhões, enviou 440 homens jovens para os campos de batalha em Aleppo, Homs e Damasco. Em proporção ao tamanho da população, nenhum outro país europeu ocidental enviou mais.Abdel cresceu com sua família no bairro árabe de Molenbeek. A região de Bruxelas é lar de pessoas de mais de 100 países diferentes: do Congo e Marrocos, mas também cada vez mais do Oriente Médio ou Tchetchênia. Novos imigrantes chegam em um país tradicionalmente católico cujas comunidades judaica e muçulmana estão crescendo –e um Estado que está sofrendo com uma dívida soberana extremamente alta desde meados dos anos 80.
Abdel não cresceu na pobreza –seu pai era professor– nem teve qualquer problema na escola. Mas por seu pai ser da África, ele tem pele escura e sua mãe disse que ele nunca realmente se sentiu como se de fato pertencesse ao país. Além disso, outras crianças zombavam dele. Assim que recebeu seu diploma do ensino médio, ele se mudou para seu próprio apartamento, apesar de sua mãe ir regularmente para limpá-lo. Foi então que ele disse a ela que tinha se convertido ao Islã e ela notou que ele tinha começado a aprender árabe. Repentinamente seu quarto ficou cheio de livros e sua mãe ficou inicialmente satisfeita, porque parecia que seu filho estava buscando algo de valor.
Mas as mudanças de Abdel se tornaram cada vez mais pronunciadas. Logo ele começou a vestir uma djellaba, a túnica vestida tradicionalmente no Magreb, e quando visitava sua mãe, ele usava o tapete do banheiro para orar. Ele não mais tocava em seu prato favorito, lasanha, porque a carne não era "halal". Aos sábados, ele ia para as ruas distribuir comida para os pobres. "Mãe, por favor, converta-se também ao Islã", ele frequentemente pedia, ela diz, "para que possamos nos encontrar de novo no paraíso".
Nunca se queixava
A mãe dele retira um tablet de sua bolsa para mostrar o vídeo no YouTube. Cinco homens com a bandeira preta do Estado Islâmico são vistos em pé em uma paisagem árida. Um dos combatentes diz: "Se Deus quiser, nós carregaremos a bandeira da vitória até Jerusalém e até a Casa Branca. Se Deus quiser, este homem da Bélgica nos mostrará como é ser um bom muçulmano". Abdel parece feliz no vídeo.A mãe de Abdel diz que ele ligava de vez em quando, dizendo que estava envolvido em ajuda humanitária na Síria. Ele também lhe contava sobre os amigos que tinham morrido, mas nunca se queixava, ela diz. Logo, a mãe de Abdel parou de perguntar quando ele planejava retornar. Seu filho também lhe falou sobre os ataques aéreos realizados pelos Estados Unidos. E no final de dezembro, ele disse: "Como o telefone está sendo monitorado, é perigoso demais conversar, mãe". Ele então desligou e não mais se falaram desde então.
Em Molenbeek, onde Abdel vivia, as ruas estão cheias nesta noite. Grupos de homens ficam em frente aos cafés e um vendedor de hortifrutis está guardando seus tomates. Aqui, no quarto andar de uma casa geminada estreita, Montasser AlDe'emeh abre a porta. AlDe'emeh se tornou recentemente um entrevistado popular para aqueles que desejam saber o motivo para a Bélgica estar perdendo seus jovens para a jihad.
Com 26 anos, AlDe'emeh nasceu de pais palestinos em um campo de refugiados na Jordânia, mas cresceu em Molenbeek. Ele se formou em estudos islâmicos na faculdade e atualmente está escrevendo sua dissertação: "Combatentes ocidentais no contexto do jihadismo internacional". Provavelmente não há outro acadêmico na Bélgica que esteja mais próximo da cena do que ele.
"Nós estamos vivendo em um país dividido", diz AlDe'emeh. Muitos jovens muçulmanos carecem de uma identidade, ele diz, acrescentando que não se sentem belgas, porque a Bélgica como um país realmente não existe. Flamengos, valões e a minoria alemã convivem lado a lado, ele diz, segregados cuidadosamente em regiões e comunidades de língua após uma miríade de esforços de reforma do Estado. "As estruturas claras de uma teocracia islâmica são, portanto, mais atraentes para muitos", ele diz.
Nutella na Turquia
Além disso, a maioria dos muçulmanos no país realmente não se sente representada politicamente. Eles costumavam votar nos social-democratas flamengos, diz AlDe'emeh, mas então o governo implantou uma proibição ao uso da burca e niqab em público. Hoje, o afluxo de radicais islâmicos é particularmente significativo em cidades flamengas como Antuérpia, Mechelen e Vilvoorde, além de Bruxelas. Essa é precisamente a mesma região onde o partido populista de extrema direita, Vlaams Belang, passou anos perseguindo a população muçulmana.O Islã, como praticado na Bélgica, também está fracassando em atrair os jovens, diz AlDe'emeh. Há 150 mesquitas em Flandres, mas o árabe é falado em quase todas elas, ele diz, uma língua que os jovens imigrantes de segunda geração não entendem. Em vez disso, eles se deparam com pregadores de ódio no YouTube e veem o sofrimento das pessoas na Síria. "Eles viajam para a Síria para curarem a si mesmos", diz AlDe'emeh.
Em junho de 2013, ele visitou um grupo de jihadistas belgas na Síria. Um intermediário o levou até a região oeste de Aleppo. Os belgas estavam vivendo ali em uma casa pertencente a sírios que fugiram do país. AlDe'emeh passou 15 dias com os combatentes, que pertenciam ao grupo islâmico Frente Al-Nusra. Durante o dia, eles patrulhavam as linhas de frente e depois se sentavam em almofadas segurando seus fuzis AK-47 e conversavam sobre a luta contra Bashar Assad. À noite, eles iam nadar ou atravessavam a fronteira para comprar Nutella na Turquia.
As estruturas dentro da Frente Al-Nusra são hierárquicas, diz AlDe'emeh. Há um emir que concede permissão para aqueles, como AlDe'emeh, que desejam visitar. Abaixo dele estão os chefes regionais, que são responsáveis por províncias específicas. Eles, por sua vez, controlam os comandantes que são responsáveis pelos combatentes sírios e ocidentais.
"Todo mundo sabia exatamente o que devia fazer", diz AlDe'emeh. "Os belgas estavam animados. Eles gostam de estrutura." Também porque a Al-Nusra, assim como o Estado Islâmico, faz jovens como Abdel se sentirem membros plenos de uma nação, por mais fictícia que possa ser.
Sonhando com lasanha
Na busca pelo senso de pertencer, muitos muçulmanos se juntaram ao Sharia4Belgium, um grupo terrorista que atualmente está sendo processado na Justiça em Antuérpia. Quarenta e seis supostos membros da organização foram indiciados, todos suspeitos de recrutarem combatentes na Bélgica para a jihad na Síria ou de lutarem lá eles mesmos. Eles também são acusados de terem mantido o jornalista americano James Foley prisioneiro. Ele foi posteriormente decapitado pelo Estado Islâmico. Um veredicto no caso é esperado para fevereiro.A "Spiegel" conseguiu falar com um dos membros do grupo por telefone. Seu nome é Younes Delefortrie, um homem de 26 anos que nasceu na Bélgica e fala inglês fluentemente. Ele diz que passou dois meses em Homs, mas insiste que não matou ninguém. Ele diz que ingressou no Sharia4Belgium por não estar interessado em um Islã que não leva suas próprias regras a sério.
Na Bélgica, diz Delefortrie, ele se sentia discriminado, queixando-se especificamente que não lhe deixavam rezar no trabalho. Ele também disse que há tantas regras para a construção de mesquitas que, quando são concluídas, elas mais se parecem com garagens. "Se você passa anos batendo em alguém, é lógico que algum dia essa pessoa reagirá", diz Delefortrie.
A mãe de Abdel diz que ela agora se encontra regularmente em Bruxelas com 15 outras mães cujos filhos também estão lutando na Síria. Elas se reuniram um dia depois do ataque ao "Charlie Hebdo" em Paris. A mãe de Abdel contou às mulheres reunidas sobre o sonho que teve após ver tanto sangue na televisão. "Eu vi meu filho caminhando por uma rua de Paris. Ele não estava carregando uma arma. Ele estava em paz." No sonho, Abdel então voltou para casa. Ele se sentou em silêncio na cozinha e colocou suas mãos sobre a mesa. Ela foi até o fogão e lhe preparou seu prato favorito. Lasanha.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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