Sonia Combe - Le Monde
9.nov.2014 - Fogos de artifício explodem acima
do Portão de Brandemburgo neste domingo (9), nas comemorações de 25 anos
da queda do muro de Berlim, na Alemanha
A comemoração, esse ato político repleto de significados que, como se
sabe, não são somente memoriais, pode prejudicar gravemente a verdade
histórica. Deixemos de lado a de 1914-1918 e olhemos para nossos
vizinhos alemães. A febre comemorativa que Berlim viveu no outono
passado acaba de nos produzir a prova disso.
Não é o lado do espetáculo que está sendo questionado aqui - os balões
soltos ao longo do antigo traçado do Muro tiveram um efeito belíssimo.
Tampouco critica-se o concerto, nunca se deve negar o prazer de ouvir
uma boa execução da Nona Sinfonia.Poderiam ter se atido a isso, mas para que o espetáculo fosse completo, era preciso empregar a memória. Uma memória muito seletiva. Uma ex-cidadã da Alemanha Oriental me contou como, atraída por um canal de televisão até um antigo ponto de passagem do Muro, perguntaram-lhe sobre a alegria que ela teria sentido ao passar para o lado ocidental na noite de 9 de novembro de 1989.
Mas ela confessou que, depois de correr durante mais de um mês de um comitê de cidadãos para outro, sua principal preocupação não havia sido ir até lá. O que estava acontecendo do lado oriental era bem mais interessante! Decepcionada, a repórter mudou de assunto e perguntou se ela tinha medo da Stasi.
Ali a decepção foi ainda maior: a ex-cidadã do Leste explicou que ela só criticava o regime dentro do Partido e que, para ser sincera, ela não vivia com medo da Stasi porque ela não pertencia a um círculo de dissidentes. Pior, ela não estava entre aqueles que aplaudiram o plano de dez pontos para a reunificação do chanceler Kohl, lançado em 28 de novembro de 1989.
Era mais do que queriam ouvir. Ela logo foi deixada de lado e sua fala não passou na TV. Assim como não houve iniciativa do Museu Judaico de Berlim que, no dia 6 de novembro, organizou uma mesa redonda sobre a forma como minorias turcas, vietnamitas, judaicas ou qualquer outra podem ter vivido o acontecimento.
Foi um sociólogo germano-africano que abriu o debate: filho de uma comunista da Alemanha Oriental, onde ele cresceu, ele militava em 1989 por uma "RDA melhor" e confessou ter chorado quando foi anunciada a queda do Muro.
Já a representante da comunidade turca diz o quanto ela se alegrou com os berlinenses da parte ocidental; ela se juntou a eles nas ruas para ir ao encontro dos berlinenses do Leste, pronta para abraçá-los, mas estes recuaram ao vê-la, tão morena...
O massacre de novembro
Vinda do Vietnã, onde a RDA recrutava seus trabalhadores imigrantes, sua vizinha também dizia estar feliz pois não precisava mais ter medo de engravidar. Na RDA as trabalhadoras imigrantes não tinham nem o direito de ter filhos, nem de abortar. Essa medida era pouco conhecida, e não tinha nada a ver com a Stasi, mas sim com o cinismo dos Estados contratantes. Por fim, foi a vez do diretor do Centrum Judaicum, Hermann Simon, de falar.
O historiador cujos pais escolheram viver na RDA contou com seu humor costumeiro como sua esposa e ele, naquela célebre noite, não haviam entendido nada do que gaguejou Schabowski (o secretário do partido de Berlim Oriental responsável por todo o acontecimento), tinham ido dormir e, ao saberem da queda do Muro ao acordar, simplesmente pensaram: isso não é bom para os judeus!
Um ano antes, em 9 de novembro de 1988, as duas Alemanhas haviam competido na comemoração da "noite dos cristais" que ocorrera 50 anos antes. Uma comemoração sempre esconde outra por trás.
Este ano as cerimônias relembrando o massacre nazista foram ofuscadas pela alegria ressuscitada dos 25 anos da queda do Muro. Fiel a seu engajamento, Hans Coppi, filho de um casal de resistentes da chamada rede da "orquestra vermelha" e nascido na prisão (a execução de sua mãe foi adiada até o parto), havia feito um convite em nome do Comitê Antifascista para as comemorações de 9 de novembro de 1938 no local da antiga prisão e local de execuções de Plötzensee.
Ali se encontraram alguns velhos antifascistas acompanhados de ex-cidadãos da RDA que, em sua maior parte, não queriam a extinção de seu país. Na época eram partidários da "terceira via", da qual a escritora Christa Wolf fora a porta-voz, a de um "socialismo do qual não se fugiria."
Não é a queda do Muro que acabam de comemorar na Alemanha, mas sim a reunificação. Apesar da ligação que há entre os dois fatos, que acabou sendo vista como natural, assim como acabou sendo vista como natural a divisão da Alemanha de antes, trata-se de dois acontecimentos distintos. No entanto, esquecida pela mídia, ignorada por uma historiografia da RDA feita por historiadores originários das margens do Reno ou da Baviera, a considerável parte da sociedade da Alemanha oriental que não se encantou com o plano do chanceler Kohl lançado no final daquele eufórico mês de novembro foi uma realidade.
Lembrar sua existência 25 anos depois teria perturbado a alegria orquestrada? O consenso entre o espetáculo midiático e a história acadêmica corre o risco de nos privar ainda por alguns bons anos, na melhor das hipóteses até o próximo aniversário importante, do relato objetivo e sem paixão, em palavras sem ideologia, daquilo que "realmente aconteceu" naquele outono de 1989, o famoso "wie es eigentlich gewesen" do historiador Herbert von Ranke.
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