Escritor compila frases que Winston Churchill nunca disse

Mathilde Damgé - Le Monde

Alastair Grant/AP

Obra de Bansky mostra Winston Churchill com penteado punk
Falecido 50 anos atrás, no dia 24 de janeiro de 1965, Winston Churchill foi homenageado nesta semana pelas autoridades britânicas, que incentivaram os internautas a postarem suas citações preferidas do "Velho Leão" no Twitter:

O problema é que entre as inúmeras citações que lhe são atribuídas, muitas são falsas.
Assim como ocorre com muitas celebridades, nem tudo que atribuem a Winston Churchill ele de fato disse. Muitas vezes as citações se tornaram aforismos depois de terem sido reformuladas por algum biógrafo empolgado.
O americano Richard Langworth, amigo da filha caçula de Winston Churchill, Mary, está compilando essas falsas citações como parte de pesquisas conduzidas pelo Churchill Centre, com sede em Illinois.
Por exemplo, "O Último Leão", do historiador William Manchester, está repleto dessas frases que não se encontram citadas em nenhum outro lugar, como:
"O governo tinha a escolha entre a guerra e a desonra: ele escolheu a desonra e terá a guerra."
Essa frase teria sido dirigida a Neville Chamberlain, na época primeiro-ministro, logo após a conferência de Munich, em 1938.
Não há prova disso em lugar nenhum, fora o livro de Manchester. Segundo Richard Langworth, seria na verdade a paráfrase de uma frase extraída de uma carta a Lloyd George.
Churchill, que deveu sua ascensão política a esse ex-primeiro-ministro, lhe escreveu logo antes da conferência: "Tenho a impressão de que teremos de escolher durante as próximas semanas entre a guerra e a desonra, e tenho pouquíssima dúvida sobre o resultado dessa escolha."

A arte da citação

Às vezes, o letrado Winston Churchill só citava outros autores, sem especificar, assim como na seguinte tirada:
"Tenho gostos simples, me contento com o melhor".
É o que Winston Churchill teria dito ao diretor do hotel Plaza em Nova York, em 1929 ou em 1931. Mas é provável que ele estivesse fazendo uma referência à peça de seu amigo George Bernard Shaw, "Major Barbara", que data de 1905: "Conheço pessoas como Adolphus, calmas, simples, refinadas, poéticas – que se contentam com o melhor!"
Ou ainda:
"A coragem é a maior das virtudes, pois é ela que pressupõe todas as outras".
Aqui Churchill citava Samuel Johnson, um dos principais literatos britânicos ao qual James Boswell atribui essa frase em sua biografia sobre o autor do século 18.
"Vou fazer um longo discurso hoje; não tive tempo de preparar um curto".
Se Churchill algum dia pronunciou essa frase, ele só estava citando Blaise Pascal: "Eu não a fiz mais longa porque não tive tempo de fazê-la mais curta" ("Cartas Provinciais", 16ª carta).

Carisma verdadeiro, falsa autoria

Acontece de a autoria de certas citações ter sido simplesmente negada a oradores menos célebres que o carismático chefe de Estado... em prol deste:
"A cruz mais pesada que já tive que carregar é a cruz de Lorena".
Essa referência à influência do general De Gaulle (que escolheu a cruz como símbolo da França livre sob a ocupação) era na verdade uma frase do general Edward Spears, representante de Winston Churchill na França.
Outra citação mal atribuída foi reproduzida no perfil de Eric Zemmour no Facebook:
"Os fascistas de hoje serão os antifascistas de amanhã."
Na verdade essa seria a frase de um político americano controverso, Huey Long, que teria declarado: "Quando o fascismo chegar aos Estados Unidos, ele será chamado de antifascismo!"
Por fim, o caso não menos raro da citação que é impossível de garantir que realmente seja de Churchill.
"Ainda que eu estivesse presente [no meu nascimento], não tenho uma lembrança clara dos acontecimentos que levaram a isso."
E ainda:
"Não me falem em tradições na Marinha. Ali só há o rum, a sodomia e o chicote."
Winston Churchill, como primeiro Lorde do Almirantado, provavelmente não fez essa declaração, ainda que conhecesse as expressões picantes da Marinha.
Ou ainda esta frase usada em uma propaganda da fabricante de armas Lockheed Martin: "Nós ganhamos nossa vida com o que recebemos, mas nós lhe damos um sentido com aquilo que oferecemos".
Um belo aforismo... provavelmente completamente inventado.