Rodrigo Constantino - VEJA
Sem compreender a origem do fenômeno
inflacionário, sempre uma política deliberada do governo, o indivíduo
não será capaz de entender exatamente como chegamos até aqui, nesse
quadro caótico de estagflação. Já escrevi inúmeros textos com linguagem
acessível, sem jargão de economia, para explicar como funciona o
processo inflacionário criado pelo governo. O mais importante é o leitor
captar que a emissão de crédito e moeda a uma taxa acima da de poupança
tenderá a produzir apenas uma euforia temporária, o que os economistas
chamam de “ilusão monetária”.
Pois bem: segundo os dados do Banco
Central, compilados pelo professor Ricardo Bergamini, em 2002 o volume
de operações de crédito era de R$ 378,0 bilhões (25,57% do PIB), sendo
R$ 144,1 bilhões (9,75% do PIB) concedidos por bancos públicos (Caixa,
BB, BNDES, etc). A participação dos bancos oficiais públicos era de
38,13%. Em 2014, o volume de operações de crédito era de R$ 3.021,8
bilhões (58,87%), sendo R$ 1.619,7 bilhões (31,55% do PIB) concedidos
por bancos públicos. A participação dos bancos oficiais públicos era de
53,60%.
O crescimento real do PIB no período de
2003 até 2014 foi de 38,70%. O volume de crédito cresceu em termos reais
em relação ao PIB em 130,23%, para um crescimento do PIB de 38,70% no
período. Esse desequilíbrio gera uma ilusão monetária de crescimento. O
mais grave é que nesse crescimento de crédito houve um aumento
monstruoso da participação do sistema bancário público, saindo de 38,13%
em 2002 para 53,60% em 2014, ultrapassando o volume do setor privado. O
que prova o avanço da estatização bancária no Brasil.
Esse é o cerne da questão, o grande
responsável pela situação atual. E por isso é tão importante notar que a
manutenção de Luciano Coutinho no BNDES e dos gestores alinhados ao
modelo de Dilma na Caixa e no BB demonstra que colocar apenas Joaquim
Levy não resolve absolutamente nada. Os bancos públicos são os maiores
vilões quando o assunto é inflação, assim como o próprio governo com sua
expansão descontrolada de gastos públicos.
Anos atrás, no auge da empolgação com o
Brasil, escrevi para o Valor um texto argumentando que a euforia era
insustentável e fruto justamente dessa ilusão monetária. Segue abaixo,
pois se não aprendermos com os erros passados, estaremos fadados a
repeti-los:
A prosperidade ilusória
A taxa
“natural” de juros é aquela que predominaria num livre mercado de
capitais, equilibrando a oferta de capital poupado e a demanda por
investimentos. Para realizar novos investimentos produtivos, antes é
necessário acumular capital, ou seja, fatores de produção. No entanto,
muitos partem da premissa de que uma redução na taxa de juros será
sempre desejável, ainda que obtida por meios artificiais. Fala-se em
“escassez de dinheiro”, confundindo-se dinheiro com capital, como se
mais dinheiro vindo do além pudesse gerar mais investimento produtivo de
forma sustentável. Isso não passa de uma grande ilusão, como o
economista Mises já havia demonstrado no começo do século XX.
Existem duas
maneiras de se criar dinheiro artificial: impressão de papel moeda pelo
governo; e emissão de crédito bancário sem lastro. Os bancos podem
reduzir artificialmente as taxas de juros emitindo notas e cheques além
da quantidade de depósitos à vista, possível graças às reservas
fracionárias. Mises chamou essa emissão sem lastro de “circulation
credit”, enquanto o crédito lastreado pela poupança era chamado de
“commodity credit”. Somente o primeiro é inflacionário. O “dinheiro
fácil” criado por este mecanismo pressiona as taxas de juros para baixo,
criando a falsa sensação de prosperidade. Investimentos que antes não
pareceriam rentáveis agora se tornam atraentes. Recursos são desviados
para estes investimentos ruins, adicionando mais lenha na fogueira,
sustentando assim o clima de euforia. Algumas escolas de pensamento
chegaram a defender esta política como meio para tornar o crédito
gratuito e resolver a “questão social”. A arte da alquimia teria sido
descoberta. Mas a inflação não é uma política sustentável.
A inflação
dura somente enquanto as pessoas acreditarem que ela será temporária.
Assim que os agentes se convencerem de que a inflação não irá parar,
eles fogem do uso desta moeda, correndo para “valores reais” como moedas
estrangeiras, metais preciosos ou até escambo. Cedo ou tarde, portanto,
a crise deve inevitavelmente estourar. Quanto mais tarde for este
ajuste, mais doloroso ele será, pois maiores serão os estragos causados
na fase de bonança artificial. A recessão substitui o boom anterior,
e os negócios iludidos durante a era de crédito abundante acabam sendo
liquidados. Os bancos se tornam mais cautelosos, e ficam tímidos na
expansão de mais crédito circulante. A taxa de juros sobe novamente.
Quando uma política inflacionista chega ao fim dessa maneira, é preciso
tempo para ajustar os excessos. As pessoas se tornam descrentes e
recusam novas rodadas de crédito fácil. Talvez uma nova geração tenha
que surgir para que a memória coletiva seja totalmente apagada e uma
nova onda de ilusão possa tomar conta do país.
Para Mises, a
principal causa dessa ilusão coletiva é o fator ideológico. Tanto os
políticos como os empresários encaram a redução da taxa de juros como
uma meta essencial da política econômica. A expansão do crédito
circulante é vista como o meio adequado para atingir esta meta. Enquanto
as pessoas não entenderem que o único meio sustentável de redução da
taxa de juros é o maior acúmulo de capital através da poupança, essas
ondas de euforia seguida de pânico irão continuar. Os bancos devem atuar
como intermediários entre poupadores e investidores, mas não devem ter o
poder de criar crédito sem lastro. O conhecimento de que o governo estará disponível no caso de emergências cria um moral hazard,
fazendo com que os bancos sejam ainda mais agressivos. Se a crise
pudesse seguir seu curso livremente, para impor as duras penalidades aos
que assumiram mais dívida do que podiam, todos seriam mais cuidadosos
com o crédito no futuro. Mas a opinião pública aprova a assistência do
governo durante as crises, o que apenas estimula o comportamento
irresponsável.
As pessoas
precisam aceitar a realidade. A taxa de juros não é algo que pode ser
impunemente manipulada. Ela é um importante preço de mercado, que
equilibra poupança e investimento. Enquanto as pessoas julgarem que uma
maçã hoje vale mais do que uma daqui a um ano, haverá taxa de juros para
equacionar as preferências intertemporais. Os investimentos produtivos
dependem sempre de capital acumulado pela poupança. Acreditar que é
possível ter e comer o bolo ao mesmo tempo, que podemos simplesmente
forçar a taxa de juros para baixo, aumentando os investimentos sem a
contrapartida de mais poupança real, não passa de uma perigosa ilusão.
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