A culpa pelo estado de ‘emergência fiscal’
A origem de tudo está na ruinosa política do
‘novo marco’, da própria presidente, problema que cabe a ela resolver
junto com o Congresso. Mas o tempo tem sido mais rápido
O Globo
Até se chegar na última sexta-feira, no anúncio do decreto do corte de
emergência de R$ 10,7 bilhões nos gastos discricionários — o grosso do
Orçamento é de despesas vinculadas, carimbadas—, o grupo político no
poder desde 2003 cumpriu uma longa trajetória de equívocos.
A partir de hoje, pode haver dificuldades em alguns serviços
públicos, pela falta de dinheiro em caixa, até o Congresso aprovar nova
meta fiscal para este ano. Nos Estados Unidos, a situação é chamada de
“shut down”, de suspensão de atividades, geralmente quando o Congresso
atrasa a aprovação de verbas adicionais para o Executivo. No Brasil, é
algo mais complexo, bem mais grave.
Numa
perspectiva mais ampla, na origem da crise está o “novo marco
macroeconômico", modelo de Dilma Rousseff, aplicado desde o final do
segundo governo Lula, e lastreado num keynesianismo de várzea, segundo o
qual o aumento dos gastos é elixir milagroso. Nem sempre, como a
América Latina comprova com os desastres brasileiro, argentino e
venezuelano. E mesmo assim, o continente não aprende.
Foi com o estelionato eleitoral de acenar para a continuação dos
gastos sem fim que Dilma se reelegeu, e, por ironia, ela mesmo está
sendo obrigada a dar meia-volta. Daí origina-se o esfarelamento da base
parlamentar, que teria de estar coesa para as reformas imprescindíveis,
tudo agravado pelo banditismo no PT e legendas aliadas, que vai ficando
exposto à medida que avança a Lava-Jato.
O tempo passa, ajustes não são feitos, e tampouco as necessárias
reformas estruturais na Previdência, nas vinculações excessivas do
Orçamento e na indexação da maior parte dos gastos. O decreto do
contingenciamento emergencial de R$ 10,7 bilhões é acertado, embora
inócuo, diante da meta em vigor do superávit: R$ 55 bilhões, quando até
outubro já foi acumulado um déficit de R$ 30 bilhões. Ele é acertado
porque atende a exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas não
resolve o grande problema estrutural do desequilíbrio orçamentário
brasileiro. Os petista nunca aceitaram a LRF — votaram contra ela em
2000—, nem a respeitaram. A contabilidade criativa, aplicada nas
pedaladas, é prova do desrespeito. Mas a reprovação das contas de Dilma
de 2014 pelo TCU, ainda a ser deliberada pelo Congresso, serviu para a
oposição reforçar o movimento pelo impeachment da presidente, e, para
evitar a repetição do dissabor, o Planalto resolveu se precaver com o
bloqueio de R$ 10,7 bilhões a partir de hoje.
Para destravar o Orçamento, o Congresso precisa aprovar uma nova meta
fiscal, com déficit. E tratar de 2016, de preferência com o compromisso
de algum superávit. Como disse o ministro Joaquim Levy ao GLOBO, há uma
Grécia à espera do Brasil na próxima esquina.
Do ponto de vista intelectual, não é difícil escapar deste indigesto
encontro. Sabe-se o que é necessário fazer. Mas o nó político impede,
além do fato de ele ser ainda mais difícil desatar por uma presidente
que demora a agir.
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