sábado, 13 de março de 2010

La Petit Princesse des Tulipes

Batia a ponta da cigarrilha e a cinza não caía. Pensei: ela só vai cair quando eu me levantar da poltrona. Cairá no carpete, ou tapete, não me lembro bem. Só sei que ela ia cair. E isso era inevitável. E era uma porcaria ela cair no carpete/tapete. Não gosto nem de carpetes e muito menos de tapetes. Ainda mais se eles estiverem sujos de cinzas. Da minha cigarrilha.
Um sujeito barrigudo entrou na sala sorrindo. Acrescentei mais um item na minha lista: não gosto de carpetes, de tapetes e de capachos.
- A nossa empresa garante uma viagem agradável e uma estadia no hotel-fazenda cinco estrelas e o senhor vai descansar bastante. Ou não me chamo Antônio Carlos.
Pensei: Nossa empresa, de quem, cara-pálida... A empresa era da Simone, amiga de trabalho. Em situações como essas, ajo, como São Paulo fazia diante dos tolos. Faço uma cara alegre.
Dias atrás, a Simone disse que eu estava muito tenso, que precisava relaxar. Talvez porque fosse final de semestre, o frio do inverno ou porque eu estivesse muito sozinho depois que a Sininho partiu.
Acabei dando-me por vencido.
E agora estava escutando um monte de asneiras de um capacho que não sabe fazer um "O" com um copo redondo. Depois de tudo o que ele falou, percebi que era uma ratoeira: se eu fosse com o ônibus da agência não teria como voltar caso o ambiente não me agradasse.Dispensei o ônibus e fui com a minha caminhonete. Sozinho.
A Simone tinha deixado tudo preparado. Era uma imensa construção térrea, com apartamentos perto das piscina, do restaurante, do saguão. Existiam, ainda, apartamentos não tão próximos do "agito" e, seguindo um pouco mais de um quilômetro, numa estrada de terra sombreada por fileiras de grandes árvores de ambos os lados, existiam quatro apartamentos, antigas baias que viraram quartos. De madeira escura e com camas king size, banheiro completo, e frigobar.
Não tinha televisão, nem telefone e não tinha antena para celular. Em volta existia uma floresta plantada pelos antigos donos, uma estufa e um jardim. Aproveiram o clima mais frio e plantaram tulipas.
Sexta-feira. O hotel só para mim. os outros hóspedes só vão chegar mais tarde. Fui até ao bar. Ele ficava perto da piscina, que era grande e tinha mesas, cadeiras e espreguiçadeiras em torno.
Sentei numa cadeira de uma das mesas próximas do bar. Essas mesas eram de madeira e estavam debaixo de um caramanchão com trepadeiras de flores amarelas, vermelhas e alaranjadas.
Pedi tequila.
O bartender informou:
- Nós só temos a Sauza comum.
- Então, sirva uma dose e, num pires, limão e sal.
Aos poucos, os hóspedes foram chegando e quando o ônibus da companhia de turismo chegou o sol já estava se pondo.
Fui para o meu apartamento tomar um banho. E enquanto estava lá, escutei as pessoas ocupando os outros três que restaram.
À noite fui dar uma sacada em que de interessante tinha chegado. Da minha faixa etária ninguém. Quando você chega na minha idade, é difícil encontrar alguém atraente.
Em compensação, tinha um grupo de jovens. A juventude é uma dádiva que só damos valor quando já a perdemos para o sr. Tempo.
Uma das moças veio até ao bar onde eu estava. Queria para comprar cigarros.
- Lamento, mas não vendemos cigarros, disse o bartender.
- Eu fumo cigarrilhas. Estendi na sua direção a carteira de metal pintada com cores quentes, onde lia-se Café Crème.
Ela pegou uma cigarrilha e eu a acendi com o meu isqueiro descartável.
- Obrigada.
- Não há de quê.
Ela olhou para o bartender e disse:
- Eu quero a mesma coisa que ele.
- Tequila, limão e sal.
- Para mim está ótimo.
A moça, morena bronzeada vestia um biquini preto. Cabelos curtos, castanhos, voz rouca como Billie Holiday nos seus melhores momentos.
Billie Holiday... lembrei-me de I'm A Fool To Want You. Fiquei com um tremendo nó na garganta. Para disfarçar a minha dor acendi uma cigarrilha e pedi outra dose de tequila. Billie Holiday estava certa. Eu estava errado.
Voltei à realidade quando a moça pôs a mão direita o meu braço esquerdo.
- Já sei. Estava me imaginando nua! Não tem importância, eles também ficam imaginando isso.
Disse isso e apontou seus amigos jogando uns aos outros dentro da piscina.
Não devo ter feito uma cara muito legal, porque ela falou:
- Desculpe. Era uma brincadeira tola.
- Tola. - repeti automaticamente.
- A propósito, meu nome é Michelle, com dois "L", como a música dos Beatles.
- O meu é Oliver.
- Diferente.
- Quando nasci, os meus pais moravam na Europa e estavam a passeio no Brasil.
- Que azar!
- Não entendi.
- Ter nascido no Brasil.
- É.
- Nós vamos fazer um luau. Está convidado. Você e a sua esposa.
- Não tenho esposa.
- Por isso que eu digo: casamento hoje não vale nada! As pessoas se separam do mesmo jeito.
- Ela morreu.
- Ah, tá. Tô sem graça agora.
- Me dá um beijo.
- Na boca..
- Na boca.
- Mas o meu namorado não...
Beijei-a antes que terminasse a frase.
- Agora, vá brincar com o seu namorado no luau.
Bonitinha, pensei.
No sábado, após o café da manhã, voltei para o meu apartamento.
Eu tinha carregado a caminhonete com seis embalagens com doze latas cada de Heineken e duas garrafas de conhaque Macieira.
Algumas cervejas já estavam geladas (foi a primeira coisa que fiz quando cheguei, colocar cervejas no frigobar).
Abri uma lata gelada. Olhei no relógio e ainda não eram onze horas, mas dane-se, estava de férias. A Heineken gelada desceu maravilhosamente bem.
No momento em que ia abrir a segunda lata, para a "primeira não ficar sozinha", a moça chamada Michelle apareceu.
Tinha acabado de acordar e tinha perdido o café da manhã. O namorado ainda estava dormindo. Ele passou mal e estava de ressaca.
- Formidável! - disse.
- É porque não foi com você! - choramingou.
- São vocês que estão no apartamento ao lado, eu creio.
- Nós dois.
Estendi uma lata de cerveja para ela.
- Não. Eu não tomei café da manhã.
- Nem vai tomar.
E fiz um gesto em direção ao frigobar.
- Espera! Eu quero. Afff! Você leva tudo tão a sério!
- Tá aqui. - dei-lhe a lata de cerveja.
- Ontem você me beijou na boca!
- Não foi nem de língua! Mais um pouco e você ia ver só!
- Você é doido! Se eu contasse para o meu namorado...
- Que está numa ressaca velhaca, é um moleque e não sabe beber.
- Mas você estava bêbado.
- Não estou de ressaca e tomei o café da manhã. E não contou para o namorado, porque você não gosta dele e porque foi gostoso beijar-me na boca.
- Tome, aqui está outra lata. Fique feliz e volte para o seus quarto para ver se o seu namorado não morreu de overdose.

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