quinta-feira, 11 de março de 2010

Sapos III

Na semana passada, fomos num bar chamado Madeleine que fica na rua da minha casa mesmo. Em plena agitação da Vila Madalena, caiu como um maná dos céus. Mesinhas redondas, jazz, comida boa e uma carta de vinhos decente. Ficamos numa das mesinhas próximas do bar e da banda de jazz.
Escolhi um vinho chileno, que foi servido na temperatura correta.
Conversamos sobre filosofia. O tema era a angústia do homem. Ela tinha lido alguma coisa, dava para perceber. Segurou a barra legal.
As suas mãos eram inquietas, pegavam a faca rabiscaba a toalha da mesinha com ela, tecendo figuras imaginárias.
Quando pedimos o prato, a conversa era outra Marcel Proust e as "madeleines".
Esticamos a noite e fomos num bar que ela conhecia e ficava na rua Pedroso Alvarenga, no Itaim.
O lugar parecia ter saído da década de vinte, do século XX. Pedi um uísque, e ela pedi um Bellini.
Já tínhamos nessa época um olhar de cúmplices. Ás vezes começávamos a falar juntos, olhando um para o outro, iniciando a frase com a mesma palavra que o outro usava para iniciar a sua própria frase. Tesão total.
Quando chegamos na rua Fidalga, ela me abraçou e disse que ia passar o resto da madrugada comigo.
Ela entrou na casa, subiu a escada. Disse para colocar um som enquanto ela tomava um banho.
Coloquei um LP do Humble Pie. Pousei a agulha numa faixa chamada "Live with me" e fui preparar algo para beber.
Ela desceu a escada devagar. Usava apenas apenas uma camiseta que ela pegou na gaveta do meu guarda-roupa.
A última coisa que ela falou foi:
- Som bom esse!
Dei-lhe um beijo na boca e tirei a sua camiseta.
Acordamos tarde. Eram 11h:30min quando fui até a cozinha fazer café e fumar uma cigarrilha.
Eu estava preparando as torradas e ia fazer os ovos no prato, com presunto di parma, mostarda antiga e pimenta-do-reino, e o som do Kraftwerk começou a rolar na sala: "The hall of mirrors".
Olhei-a e ela estava só de camiseta novamente. Estava fumando um dos seus cigarros "alternativos" e estendeu um outro para mim.
- Enrolei para ti.
Dane-se o café, pensei.
- Creio que você vai passar o domingo aqui.
- Vou. Volto para a minha casa só se você quiser.
- É que eu tenho umas coisas pendentes da faculdade a resolver e...
- Vou embora então.
- Não! Foda-se o trabalho. Quero você aqui, comigo.
Lecionava de quarta às sextas-feiras. O restante dos dias passava com ela. E a cada vez que nós nos encontrávamos ela trazinha um sapo de brinquedo. A família Sapo dava indícios que aumentaria, à medida que a nossa cumplicidade aumentasse.
Secamos uma garrafa de conhaque fumamos mais dois alternativos e escutamos o Keith Jarrett executar ao piano um show que ganhou formato de LP, em 1975. Ela nem tinha nascido. os LP's tocaram aquele domingo todo e nós dois sentados juntinhos, namorando. Toda vez que escuto o The Köln Concert ou vejo as dezenas de sapos espalhados pela casa (não os retirei, nem vou retirar - lembram a minha época de alegria e felicidade) lembro-me dela, dos seus cabelos e dos seus olhos cúmplices.

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