terça-feira, 9 de março de 2010

Sapos II

Ainda dava para ver o sol, quando a campainha tocou e eu fui quem poderia ser. Era ela. Carregava uma caixa enorme de papelão. Abri o portão e ela entrou me cumprimentando. Entregou-me a caixa e disse: - Trouxe-lhe um presente, mas não deu para embrulhar porque eu peguei as coisas escondidas do meu pai. A caixa estava lacrada com fita adesiva. Era pesada. Convidei-a para entrar e enquanto abria a caixa com o meu canivete, ela se serviu de vinho. O presente consistia em litros de uísque, vodca, conhaque e tequila. Três garrafas de Logan, quatro garrafas de vodca Wyborowa (duas puras e duas com sabor abacaxi), duas garrafas de conhaque Hennessy Paradis Extra e duas garrafas de tequila Don Julio Reposado. Devo ter feito uma cara de surpresa, porque ela ria bem alto, chegando inclusive a se curvar na cadeira de tanta risada. - Você acha engraçado, mas não tem idéia de quanto custa cada garrafa de conhaque dessas. Seu pai vai ficar uma arara quando der pela falta dessas garrafas! - Você fala engraçado! Ficar uma arara... minha vó que falava assim! Meu pai temmmmmmmmmmmmm muuuuuuuuiiiito dinheiro, não vai sentir falta dessas garrafas. Além disso, eu gosto de bebidas destiladas e pretendo vir mais vezes aqui. E antes que eu pudesse falar qualquer coisa sobre roubo ela me calou com um beijo nos lábios. Onde eu iria para com isso tudo eu não sabia, mas ela era a dona da bola, e talvez do jogo também. Ela, numa petulância, que depois fui perceber, artificial, foi até o living e começou a mexer nos meus antigos vinis. Perguntou se o aparelho Gradiente funcionava. Disse-lhe que sim, mas não acreditava que ela fosse encontrar algo do gosto dela para escutar. - Isso eu verei agora. Meu Deus, pensei. De repente ela grita: - Uau! David Bowie! Vou colocar pra tocar! Escolheu a faixa, pôs a agulha e logo Bowie estava cantando: - I/I will be king/ And you/You will be queen. - Heroes, cara! FasequeBowiegravoudiscosantológicosemBerlim, ela falou assim, de uma vez só. Não esperou resposta e cantou junto o trecho que dizia: - We can be Heroes/Just for one day. - Eu te acho assim, um herói. Um D. Quixote! Eu trouxe mais algumas coisas que estão na minha bolsa, se você não se importar com os meus cigarros alternativos, é claro. Se você quiser, eu vou embora, é só falar. Ela estava esparramada no chão, sobre o tapete da sala, diante do aparelho de som. Seus cabelos volumosos esparramados pelos seus ombros e a minha vida esparramada pelo destino. Seus olhos castanhos fazendo par com os cabelos se insinuavam. Pensei: nunca vou deixar essa tigresa sair daqui. Nem se chamarem o resgate, bombeiros ou trouxerem o BOPE ela escapa das minhas mãos. - Acenda o que você quiser, tigresa. - Tigresa! Taí gostei da palavra. Geralmente os garotos da minha idade se referem a mim como potranca. - Uau! Dessa vez fui eu que exclamei. Ela se levantou passou por mim, resvalando seu corpo no meu, e foi até a cozinha pegar a sua bolsa que havia ficado numa das cadeiras da mesa.

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