sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Ao falhar com a França, Hollande também está falhando com a Europa como um todo
Paul Krugman - NYT
Fred Tanneau/AFP
François Hollande, o presidente da França 
François Hollande, o presidente da França
François Hollande, o presidente da França desde 2012, poderia ser o desafiante. Ele foi eleito com a promessa de abandonar as políticas de austeridade que mataram a breve e inadequada recuperação econômica da Europa. Como a justificativa intelectual para essas políticas eram fracas e logo ruiriam, ele poderia ter liderado um bloco de nações exigindo uma mudança de curso. Mas não era para ser. Assim que tomou posse, Hollande prontamente voltou atrás, cedendo completamente às exigências de ainda mais austeridade.
Mas que não seja dito que ele é totalmente covarde. Nesta semana, ele tomou uma ação decisiva, mas não na política econômica, apesar das consequências desastrosas da austeridade europeia se tornarem cada vez mais óbvias a cada mês que passa, e até mesmo Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu, está pedindo por uma mudança de curso. Não, toda a força de Hollande foi concentrada em eliminar os membros de seu governo que ousaram questionar sua subserviência a Berlim e Bruxelas.
É um espetáculo notável. Para apreciá-lo plenamente, entretanto, é preciso entender duas coisas. Primeiro, a Europa, como um todo, está com sérios problemas. Segundo, dentro do padrão geral de desastre, o desempenho da França é muito melhor do que você imaginaria segundo o noticiário. A França não é a Grécia, nem mesmo a Itália. Mas ela se deixa sofrer bullying como se fosse incapaz.
Sobre a Europa: assim como os Estados Unidos, a zona do euro –os 18 países que usam o euro como moeda comum– começou a se recuperar da crise financeira de 2008 em meados de 2009. Mas depois que teve início a crise da dívida em 2010, alguns países europeus foram forçados, como condição para empréstimos, a fazerem duros cortes de gastos e a aumentar os impostos sobre as famílias trabalhadoras. Enquanto isso, a Alemanha e outros países credores não fizeram nada para compensar a pressão para baixo, e o Banco Central Europeu, diferente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) ou o Banco da Inglaterra, não adotou medidas extraordinárias para estimular os gastos privados. Como resultado, a recuperação europeia estagnou em 2011 e não mais foi retomada.
A esta altura, a Europa está se saindo pior do que no estágio comparável durante a Grande Depressão. E notícias ainda piores podem surgir, à medida que a Europa exibe todos os sinais de estar mergulhando em uma armadilha deflacionária ao estilo japonês.
Como a França se encaixa nesse quadro? O noticiário retrata consistentemente a economia francesa como uma confusão disfuncional, minada por impostos elevados e regulação do governo. Logo, acaba sendo um choque quando você olha para os números de fato, que não condizem com a história. A França não vem bem desde 2008 –em particular, ela está atrasada em comparação à Alemanha– mas o crescimento geral de seu PIB é muito melhor do que a média europeia, superando não apenas as economias com problemas do sul da Europa, mas também a de nações credoras como a Holanda. O desempenho dos empregos franceses também não é ruim. Na verdade, os adultos entre 25 e 54 anos têm uma maior probabilidade de estarem empregados na França do que nos Estados Unidos.
Nem a situação da França parece particularmente frágil. Ela não tem um grande déficit comercial e pode tomar empréstimos a taxas de juros historicamente baixas.
Por que, então, a França recebe uma cobertura tão negativa no noticiário? É difícil escapar da suspeita de que se trata de algo político: a França tem um governo grande e um Estado de bem-estar social generoso, algo que a ideologia de livre mercado diz que deveria levar ao desastre econômico. Logo, desastre é o que é noticiado, mesmo que não seja o que os números dizem.
E Hollande, apesar de liderar o Partido Socialista da França, parece acreditar nessa difamação ideologicamente motivada. Pior, ele caiu no círculo vicioso no qual as políticas de austeridade fazem o crescimento estagnar, e a estagnação do crescimento é usada como evidência de que a França precisa de mais austeridade.
É uma história muito triste, e não apenas para a França.
Mais imediatamente, a economia da Europa está em apuros. Draghi, eu acredito, entende quão ruins estão as coisas. Mas há um limite para o que o banco central pode fazer e, de qualquer modo, ele tem espaço limitado para manobra, a menos que os líderes eleitos estejam dispostos a contestar a ortodoxia da moeda forte e orçamento equilibrado. Enquanto isso, a Alemanha é incorrigível. Sua resposta oficial à sacudida na França foi uma declaração de que "não há contradição entre consolidação e crescimento" –ei, não importa a experiência dos últimos quatro anos, nós ainda acreditamos que austeridade é expansionista.
Logo, a Europa precisa desesperadamente que o líder de uma grande economia –uma que não esteja em situação terrível– se levante e diga que a austeridade está matando as perspectivas econômicas do continente. Hollande poderia e deveria ter sido esse líder, mas não é.
E se a economia europeia continuar estagnada ou pior, o que será do projeto europeu –o esforço de longo prazo para assegurar paz e democracia por meio da prosperidade compartilhada? Ao falhar com a França, Hollande também está falhando com a Europa como um todo –e ninguém sabe quão ruim a situação pode ficar.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

Nenhum comentário: