sexta-feira, 29 de agosto de 2014

As razões para o indiciamento de Christine Lagarde no caso Tapie
Gérard Davet e Fabrice Lhomme - Le Monde
Philippe Wojazer/Reuters
Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, está sob investigação por negligência em um caso de fraude política Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, está sob investigação por negligência em um caso de fraude política
A diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, ministra da Economia de Nicolas Sarkozy entre 2007 e 2011, foi indiciada na terça-feira (26), por "negligência", dentro da investigação conduzida pelo Tribunal de Justiça da República (CJR). Os magistrados estão investigando as condições nas quais o empresário Bernard Tapie conseguiu receber do Estado 405 milhões de euros, em julho de 2008, em uma arbitragem associada a seu litígio com o banco Crédit Lyonnais.
Lagarde está sendo acusada com base no artigo 432-16 do código penal, que determina uma punição de um ano de prisão e 15 mil euros de multa "quando a destruição, o desvio ou a subtração por um terceiro de bens" tais como fundos públicos "resulta da negligência de uma pessoa depositária da autoridade pública ou encarregada de uma missão de serviço público". Ela teria desde maio de 2013 o status de testemunha assistida por suspeitas de "cumplicidade em fraude por simulação de ato" e "cumplicidade em desvio de fundos públicos."
Portanto, diante da quarta audiência de Lagarde perante o CJR, aparentemente os magistrados, informados sobre os avanços da investigação conduzida na parte não ministerial do caso Tapie, mudaram sua abordagem sobre o papel exercido pela ex-ministra naquilo que os juízes de direito comum chamam de "simulacro" de arbitragem.
Hoje eles consideram que Lagarde, sem ter iniciado o processo criminoso, deveria ter sido contrária à arbitragem, ou pelo menos ter apresentado recurso da decisão, e que ela no mínimo demonstrou "negligência" nesse caso tão delicado para as finanças públicas, mas também para o plano político, considerando as relações privilegiadas mantidas entre Tapie e Sarkozy.

Entre 2007 e 2011, 52 visitas a Nicolas Sarkozy 

Consequentemente, poderia essa acusação também se aplicar a outros políticos tomadores de decisão, tais como Claude Guéant, então secretário-geral da presidência, que já se encontra sub custódia nesse caso? O caso do ex-chefe do Estado é um pouco diferente, pois ele possui imunidade pelos atos associados ao exercício de seu mandato. Mas para ter esse benefício, é preciso que os atos em questão não sejam dissociáveis do exercício de suas funções presidenciais, o que não parece certeza nesse caso.
De qualquer forma, ao que parece Lagarde não exerceu seu papel de salvaguarda das finanças públicas, ao evitar uma intervenção ativa no processo de decisão. Ela parece ter se mantido parcialmente afastada do caso, que se decidiu principalmente no Palácio do Eliseu.
No entanto, ela fez 52 visitas pessoais a Nicolas Sarkozy no Palácio do Eliseu, entre 2007 e 2011, segundo as agendas do ex-chefe do Estado, apreendidas pelos juízes. Poderia ela se afastar a tal ponto de um caso tão delicado assim, que depende diretamente de seu departamento? "Afirmo que não falei sobre esse caso nem com Sarkozy, nem com nenhum de seus colaboradores", ela alegou ao CJR, no dia 31 de janeiro.
Mas na época, será que ela poderia frustrar os planos de seu mentor político? Em fevereiro de 2008, desamparada, ela redigiu uma carta dirigida a ele – e que ela afirma nunca ter enviado – : "Caro Nicolas, […] pode me usar durante o tempo que lhe for conveniente […] Se você me usar, preciso de você como guia e como apoio […] Com minha imensa admiração, Christine L."

Um tanto cômodo

De qualquer forma, Lagarde afirma não ter acompanhado pessoalmente esse caso, enquanto no Ministério da Economia: "Considerei que a partir do momento em que tomei a decisão de não me opor à arbitragem, cabia a Richard [Stéphane Richard, diretor de seu gabinete] fazer o acompanhamento do caso." Foi assim que as reuniões decisivas de julho de 2007 e julho de 2008 no Eliseu que tratavam da arbitragem foram realizadas em sua ausência. Foi Richard que compareceu, assim como ele recebeu Tapie no Ministério da Economia no dia 7 de novembro de 2008, quando este precisou resolver um problema fiscal. Richard, o atual presidente da empresa de telefonia Orange, está sendo acusado na parte não ministerial do caso de "fraude em grupo organizado."
Portanto, o CJR parece ter considerado que era um tanto cômodo para a diretora do FMI se isentar de qualquer responsabilidade. Ainda mais que um dos serviços sob sua autoridade, a Agência das Participações do Estado (APE), havia deixado claro desde o dia 1o de agosto de 2007. Em uma nota endereçada à ministra, a APE dizia "desaconselhar ao ministro a via de uma arbitragem que não é justificada nem do ponto de vista do Estado, nem do ponto de vista do CDR [o estabelecimento encarregado da gestão da dívida do Crédit Lyonnais]".
Lagarde diz não ter tido conhecimento desse documento, uma vez que Richard só cuidou do caso Adidas a partir de 17 de agosto de 2007, segundo ela. No dia 23 de maio de 2013, ela afirmou ao CJR: "Acredito que poderia ter tido mais informações no processo da decisão que fui levada a tomar de não me opor à arbitragem". E ainda: "Agora me parece que eu deveria ter sido mais desconfiada."

Partido EELV pede para que Lagarde "se afaste" do FMI

Desconfiada ou vigilante? É verdade que os magistrados reconheceram que ela não havia organizado o "simulacro", mas eles a repreenderam por não ter sido pró-ativa nesse caso. Evidentemente eles não se convenceram com sua defesa, sobretudo quando ela declarou: "Não me lembro de ter sido informada sobre a mecânica instaurada", ou ainda quando ela afirmou "nunca ter sido informada" das dúvidas, que no entanto haviam sido levantadas há muito tempo no Ministério da Economia, sobre a personalidade de Pierre Estoup, um dos juízes árbitros indiciados.
Embora o porta-voz do governo Stéphane Le Foll tenha declarado na quarta-feira (27) que o governo não tinha "comentário a fazer sobre as escolhas que cabem ao FMI", o partido Europe Ecologie-Les Verts pediu que Lagarde "se afastasse" da instituição.
Essa hipótese foi descartada pela interessada, que na quarta-feira fez questão de anunciar ela mesma seu indiciamento nos seguintes termos: "Após três anos de instrução, dezenas de horas de audiências, a comissão se rendeu à evidência de que eu não teria sido cúmplice de nenhuma infração e, portanto, se ateve a alegar que eu não teria sido suficientemente vigilante durante a arbitragem entre a empresa CDR como liquidante do grupo e o casal Tapie [...] Pedi a meu advogado que entre com todos os recursos contra esse indiciamento."

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