sábado, 19 de setembro de 2015

A lição de Berlusconi, o Trump italiano
Beppe Severgnini - El País
As semelhanças entre Donald Trump e Silvio Berlusconi são marcantes: ambos são empresários ruidosos e vaidosos, políticos amadores e mulherengos profissionais. Ambos têm uma relação problemática com seus egos e seus cabelos. Os dois pensam que Deus é seu publicitário e distorcem a religião para servir a seus próprios fins. Existe uma diferença, porém: Berlusconi foi o chefe de governo italiano de maior duração no cargo desde a Segunda Guerra Mundial (não resultou muita coisa disso, além de uma amizade duradoura com Vladimir Putin). Trump não foi tão longe.
Para o bem do povo americano e do mundo livre, espero que não vá. Ainda assim, como cidadão italiano que experimentou um demagogo-chefe e sobreviveu, sinto que devo ajudar a população americana a enfrentar o candidato Trump para evitar que ele se torne o presidente Trump.
Primeiro, para os céticos: não subestimem o homem. Por que um sujeito comum é atraído por um candidato bilionário? É simples. Porque ele pode "preencher as fantasias das pessoas", como diz Trump.
O homem entende de televisão, adora dinheiro, detesta regras, conta piadas, usa palavrões e é exageradamente sociável. Ele pode não ser igual a nós, mas faz questão de que haja alguma coisa nele com a qual diferentes pessoas possam se relacionar pessoalmente.
Como Trump e Berlusconi sabem, quando você está com as pessoas presas no anzol, você pode lhes dizer qualquer coisa que elas lhe perdoarão tudo. Seus comentários revoltantes sobre mulheres e países estrangeiros? Um sinal de autenticidade, dizem seus admiradores.
Considerar Trump uma piada, como fizeram muitos italianos com Berlusconi no início, e muitos americanos continuam fazendo com Trump, seria um erro. Levá-lo a sério também é errado. Entãom use seu senso de humor. Não se sinta agredido por todos os seus comentários ofensivos; seus seguidores não se importam, e a repercussão adicional só o ajuda.
Depois, não fique obcecado por ele. O noticiário e as redes sociais americanas parecem hipnotizados por Trump. Isso não é surpreendente. Ele é incomum, e Deus sabe que os países ocidentais precisam de um pouco de tempero no processo democrático.
Mas ficar obcecado por ele é exatamente o que o homem quer. "Está vendo?", ele pode dizer. "Todos estão me atacando, esses sujeitos do establishment!" Ross Perot tirou vantagem do amor da mídia pelo estranho e o novo em 1992; hoje, graças à Internet, é mais fácil saber de tudo.
Em breve, a atuação de Trump se tornará repetitiva, por isso apenas acelere o processo. Faça-o ser chato. Obrigue-o a ser específico. Por enquanto, ele pode ignorar perguntas sobre como exatamente deportaria os cerca de 11 milhões de imigrantes que vivem nos EUA sem documentos legais. Não pare de perguntar. Com o tempo, as pessoas enxergarão o outro lado de sua charada. Pode não parecer assim hoje, mas confie em mim --funcionou com Berlusconi, quando descobrimos como fazê-lo.
Terceiro, não esqueça seus enganos e mal-entendidos. Neste momento, os americanos estão atraídos pelo pragmatismo de Trump, na vida e na política. Mas isso não vai durar. Os americanos também não gostam de ouvir mentiras, e conforme a campanha se prolongar haverá muitas oportunidades para indicar casos do que eu chamarei delicadamente de "amnésia tática" por parte de Trump. Candidatos já perderam por esse tipo de erro. Não deixe Trump se safar. Nós demos a Berlusconi muita margem de manobra nesse sentido, e ele a aproveitou totalmente.

Sedução

Outra semelhança entre Trump e Berlusconi é que ambos trazem para a política um jeito sedutor que lhes serviu bem em suas carreiras anteriores na construção, televisão e entretenimento (e em outros lugares, segundo dizem). Eles sabem que sua mensagem deve ser tranquilizadora e facilmente digerível. Ambos estão convencidos de que, em uma era obcecada pelas aparências, a imagem é vital.
Por isso, especialmente para os que estão em cima do muro sobre apoiar Trump (segundo as pesquisas, um número surpreendentemente grande de americanos): não o comprem. Comportem-se como fariam com um vendedor de carros tagarela. Faça muitas perguntas e espere respostas adequadas. Abra o porta-malas, verifique os freios. Apenas não peça para fazer um test drive --Trump poderá trancar a porta, acelerar e levá-lo a se chocar com um muro.
Finalmente, não cave um buraco para si mesmo. A sigla clássica de Margaret Thatcher --TINA, ou There Is No Alternative [não há alternativa]-- diz tudo sobre a atitude de muitos eleitores.
Antes de escolher o que acham certo, eles consideram o que acreditam ser possível. Berlusconi durou tanto tempo por falta de alternativas; Trump está apostando na criação de uma narrativa que se autocumpre, que mesmo que ele não seja o melhor candidato é o único viável.
Mas é claro que isso só é verdade se o público e a mídia permitirem que seja. Os republicanos têm 16 candidatos no ringue e vários deles, de todo o espectro da direita, oferecem uma opção mais saudável que Trump para presidente. Basta que o establishment se una por trás de um deles, mas precisa fazê-lo rápido.
Enquanto Trump pode ser novo na política, o trumpismo --que quer dizer os ofensivos mascarando-se de "honestos", os despreparados mascarando-se de "novatos"-- é uma história antiga. "As pessoas sentem prazer em dar poder aos indecentes", escreveu Sêneca, dois mil anos atrás. Mas elas pagam por isso, mais cedo ou mais tarde. E com Trump poderá ser mais cedo.
As mulheres de Berlusconi
A jovem dançarina marroquina Karima el Mahroug, mais conhecida como "Ruby Rouba Corações", teria sido apresentada a Berlusconi como "uma jovem em dificuldades" durante um jantar em uma das casas do premiê. "Ele me chamou em seu escritório e me deu uma bolsa dizendo que estava feliz de conhecer uma pessoa como eu. Dentro havia sete mil euros, ela conta, acrescentando que ele "nunca encostou um dedo" em seu corpo - Giuseppe Ares/AFP
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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