É possível avaliar a moralidade de uma espionagem?
A. C. Grayling - ProspectSe há uma coisa que a recente acusação de espionagem chinesa por autoridades norte-americanas mostra é que a espionagem é comum. Por "espionagem" quero dizer o uso de meios encobertos e geralmente ilícitos para obter informações sigilosas que não estão disponíveis nos canais públicos.
A espionagem não se limita à coleta de dados pelos
serviços de segurança sobre as forças armadas inimigas ou organizações
terroristas. Aliados espionam aliados, grupos comerciais espionam seus
rivais e governos patrocinam a espionagem em vários setores econômicos
de outros países para obter vantagens para os seus. Por exemplo, dados
de pesquisa e desenvolvimento podem ser de interesse fundamental.
O caso da irritação recente dos EUA com a China foi de espionagem econômica. Os EUA há muito estavam advertindo a China sobre sua inquietação com tais atividades e, por fim, perderam a paciência. O indiciamento dos espiões chineses, com a publicação de seus nomes e fotografias, foi um sinal disso.
Espionar é moralmente aceito?
Alguns argumentam que é necessário, e a necessidade não conhece moralidade. Sentados em nossas poltronas, desprezamos esses argumentos. Esse tipo de expediente cometeu muitos crimes da história para levá-los em conta --pelo menos enquanto estamos confortáveis em nossas almofadas. Mas, na arena fria da vida prática, as coisas parecem diferentes.
O fato de que os outros estão nos espionando é uma justificativa suficiente para devolver o elogio, argumentam alguns, não por ressentimento, mas porque as vantagens e desvantagens em matéria de informação se traduzem em fatos sólidos, tais como a abertura ou o fechamento de fábricas e pessoas ganhando ou perdendo seus empregos: coisas reais acontecendo com pessoas reais.
O pragmatismo deve, portanto, se sobrepor à moralidade neste domínio?
Se uma entidade, como um governo ou uma empresa, rouba informações de outra entidade --por exemplo, os resultados potencialmente úteis de uma pesquisa patrocinada por esta última--, então não comete apenas um crime, mas uma transgressão moral. Houve dano, foi cometida uma injustiça: isso é o que interessa à moralidade. Mas, simplesmente assistir às atividades da outra entidade --sendo esta um órgão e não um indivíduo (a privacidade individual deve ser sacrossanta)-- de uma forma que não imponha dano ou injustiça não é imoral, embora possa ser ilegal em determinadas jurisdições.
Alguns poderiam pensar que a espionagem pela China de segredos das empresas norte-americanas não é imoral como tal até que atinja o ponto de roubo de propriedade intelectual: ou seja, uma desvantagem concreta para essas empresas devido ao uso da propriedade roubada. Outros responderiam que, uma vez que esse é justamente o objetivo da espionagem, a distinção não faz diferença.
A dialética aqui ilustra o que tantas vezes acontece quando as idealizações filosóficas atendem as realidades da vida. Gostaríamos que a espionagem e o roubo de (ideias, bem como de coisas) fossem proibidos porque são imorais, porque são prejudiciais e injustos, por causa de seu efeito deletério na vida real. Como contemporizar com danos e injustiças? Os pragmáticos dirão que há momentos e causas em que é inevitável, e, infelizmente, nós aceitamos esse ponto de vista, que acaba prevalecendo mais do que deveria.
Mas, isso não nos impede de dar nomes aos bois. Vamos separar aquela espionagem para obter informações que nos ajuda a nos proteger contra os inimigos da espionagem com a intenção de produzir vantagens para o lado do espião em detrimento do lado espionado, quando essas vantagens podem resultar em danos de vários tipos. Como a espionagem consiste em vigiar e roubar, merece ser julgada em termos morais.
Essa altivez enfática é arriscada. É importante lembrar que os moralistas (aqueles que, porque não gostam de alguma coisa, querem que todo mundo pare de fazê-la) têm essa altivez enfática, e a criação de precedentes os incentiva a levá-la longe demais.
Com base nos excelentes argumentos de John Stuart Mill para ser generoso e tolerante em nossa atitude para com o que os moralistas mais gostam de interferir, ou seja, na vida privada de outras pessoas, devemos reservar a altivez enfática aos tópicos que realmente a merecem. A espionagem pode não parecer um candidato óbvio para tal. Mas talvez seja, de fato.
Tradutor: Deborah Weinberg
O caso da irritação recente dos EUA com a China foi de espionagem econômica. Os EUA há muito estavam advertindo a China sobre sua inquietação com tais atividades e, por fim, perderam a paciência. O indiciamento dos espiões chineses, com a publicação de seus nomes e fotografias, foi um sinal disso.
Espionar é moralmente aceito?
Alguns argumentam que é necessário, e a necessidade não conhece moralidade. Sentados em nossas poltronas, desprezamos esses argumentos. Esse tipo de expediente cometeu muitos crimes da história para levá-los em conta --pelo menos enquanto estamos confortáveis em nossas almofadas. Mas, na arena fria da vida prática, as coisas parecem diferentes.
O fato de que os outros estão nos espionando é uma justificativa suficiente para devolver o elogio, argumentam alguns, não por ressentimento, mas porque as vantagens e desvantagens em matéria de informação se traduzem em fatos sólidos, tais como a abertura ou o fechamento de fábricas e pessoas ganhando ou perdendo seus empregos: coisas reais acontecendo com pessoas reais.
O pragmatismo deve, portanto, se sobrepor à moralidade neste domínio?
Se uma entidade, como um governo ou uma empresa, rouba informações de outra entidade --por exemplo, os resultados potencialmente úteis de uma pesquisa patrocinada por esta última--, então não comete apenas um crime, mas uma transgressão moral. Houve dano, foi cometida uma injustiça: isso é o que interessa à moralidade. Mas, simplesmente assistir às atividades da outra entidade --sendo esta um órgão e não um indivíduo (a privacidade individual deve ser sacrossanta)-- de uma forma que não imponha dano ou injustiça não é imoral, embora possa ser ilegal em determinadas jurisdições.
Alguns poderiam pensar que a espionagem pela China de segredos das empresas norte-americanas não é imoral como tal até que atinja o ponto de roubo de propriedade intelectual: ou seja, uma desvantagem concreta para essas empresas devido ao uso da propriedade roubada. Outros responderiam que, uma vez que esse é justamente o objetivo da espionagem, a distinção não faz diferença.
A dialética aqui ilustra o que tantas vezes acontece quando as idealizações filosóficas atendem as realidades da vida. Gostaríamos que a espionagem e o roubo de (ideias, bem como de coisas) fossem proibidos porque são imorais, porque são prejudiciais e injustos, por causa de seu efeito deletério na vida real. Como contemporizar com danos e injustiças? Os pragmáticos dirão que há momentos e causas em que é inevitável, e, infelizmente, nós aceitamos esse ponto de vista, que acaba prevalecendo mais do que deveria.
Mas, isso não nos impede de dar nomes aos bois. Vamos separar aquela espionagem para obter informações que nos ajuda a nos proteger contra os inimigos da espionagem com a intenção de produzir vantagens para o lado do espião em detrimento do lado espionado, quando essas vantagens podem resultar em danos de vários tipos. Como a espionagem consiste em vigiar e roubar, merece ser julgada em termos morais.
Essa altivez enfática é arriscada. É importante lembrar que os moralistas (aqueles que, porque não gostam de alguma coisa, querem que todo mundo pare de fazê-la) têm essa altivez enfática, e a criação de precedentes os incentiva a levá-la longe demais.
Com base nos excelentes argumentos de John Stuart Mill para ser generoso e tolerante em nossa atitude para com o que os moralistas mais gostam de interferir, ou seja, na vida privada de outras pessoas, devemos reservar a altivez enfática aos tópicos que realmente a merecem. A espionagem pode não parecer um candidato óbvio para tal. Mas talvez seja, de fato.
Tradutor: Deborah Weinberg
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