Martin Fackler - NYT
O Japão deu um passo simbolicamente significativo visando exercer um
papel mais ativo na segurança regional, quando o primeiro-ministro
Shinzo Abe anunciou, na terça-feira, que seu governo reinterpretaria a
Constituição antiguerra para permitir às forças armadas japonesas
ajudarem países amigos sob ataque.
A decisão há muito esperada do Gabinete de Abe muda uma interpretação de mais de seis décadas da Constituição, que limitava rigidamente as forças do Japão a agirem apenas em defesa própria. A nova interpretação, conhecida como "autodefesa coletiva", permitirá ao Japão usar suas forças armadas, grandes e tecnologicamente avançadas, de formas que seriam impensáveis poucos anos atrás, como sair em ajuda a um navio americano sob ataque, ou abater um míssil balístico disparado contra os Estados Unidos.
Abe vinha buscando uma maior liberdade para as forças armadas de seu país, mas foi forçado a ceder após resistência tanto dentro de seu próprio Partido Liberal Democrata da situação quanto seu parceiro de coalizão, o Partido Budista. Em um sinal de quão potencialmente divisora a mudança pode ser entre os eleitores, cerca de 10 mil manifestantes se reuniram diante da residência do primeiro-ministro na noite anterior, para protestar contra a mudança.
Mesmo assim, a maioria dos japoneses parece aceitar ao menos hesitantemente a mudança --um sinal, disseram analistas, da crescente ansiedade aqui em torno do crescente poderio militar da China, e sua reivindicação cada vez mais vigorosa de ilhas disputadas atualmente sob controle do Japão. Eles disseram que o medo em relação à China tornou o público mais disposto a aceitar a posição de segurança mais assertiva defendida por Abe, que pede ao Japão que abandone sua passividade pós-guerra e se torne uma nação "normal".
"A crescente pressão da China mudou o debate político dentro do Japão", disse Kazuhisa Kawakami, um especialista em política da Universidade Meiji Gakuin, em Tóquio. "Pela primeira vez, os japoneses estão descobrindo que precisam pensar realisticamente a respeito da defesa de seu próprio país."
A nova política não pode entrar em vigor antes do quarto trimestre, já que o Parlamento ainda precisa remover as barreiras legais a uma ação mais ampla das forças armadas ao revisar mais de uma dúzia de leis existentes, disseram especialistas e parlamentares. Mas com a coalizão de governo de Abe desfrutando de uma maioria confortável em ambas as casas, a mudança parece praticamente certa.
Ainda assim, mesmo sob a nova política, as forças armadas japonesas, chamadas de Forças de Autodefesa, enfrentarão limites rígidos, que apenas permitirão que atuem quando houver "perigo claro" ao Japão ou sua população, e o uso apenas do "nível mínimo de força necessário", segundo o texto da decisão do Gabinete.
Em um discurso transmitido ao vivo pela TV para todo o país, Abe buscou acalmar as preocupações dos oponentes, declarando que a nova política não levaria o Japão a uma ladeira escorregadia, ao arrastá-lo para guerras distantes lideradas pelos Estados Unidos. Mas ele também disse que a nova política forjaria laços mais estreitos com os Estados Unidos, que contam com 50 mil militares posicionados no Japão sob um tratado de segurança da época da Guerra Fria, que os obrigam a sair em defesa do Japão.
"Isto não vai mudar o Japão em um país que trava guerras", disse Abe. "As Forças de Autodefesa não entrarão em combate em conflitos como a Guerra do Golfo ou do Iraque."
Em vez disso, ele disse que a mudança era necessária para que o Japão possa atuar como um aliado pleno dos Estados Unidos, à medida que busca uma demonstração mais clara de apoio dos americanos em sua disputa territorial com a China.
"Uma aliança fortalecida entre Japão e Estados Unidos é uma força de dissuasão que contribui para a paz do Japão e desta região", disse Abe.
Ele também disse que a mudança permitiria ao Japão participar mais plenamente das operações de força de paz da ONU, ao permitir que soldados japoneses possam ajudar outros soldados de força de paz sob ataque.
As autoridades americanas apoiam a nova política, dizendo que apreciam a ideia do Japão arcar com um fardo maior de segurança na região da Ásia-Pacífico, em um momento em que os Estados Unidos enfrentam novos problemas no Oriente Médio e cortes orçamentários adicionais em casa.
Mas a nova política provocou reações ambíguas na Ásia. Apesar do presidente das Filipinas ter dito em Tóquio, na semana passada, que apoiava o Japão fazer mais para ajudar a compensar as reivindicações cada vez mais assertivas da China na região, a China e a Coreia do Sul disseram que um Japão rearmado traz lembranças amargas da marcha brutal do Japão pela Ásia no início do século 20.
Um comentário da agência de notícias estatal da China, "Xinhua", alertou que Abe está "flertando com o espectro da guerra" ao tentar remilitarizar o Japão.
Apesar de Abe ter concentrado seus comentários em laços mais estreitos com os Estados Unidos, analistas disseram que a nova política também poderia facilitar para o Japão buscar novas alianças militares com outros países –incluindo as Filipinas e o Vietnã, que têm disputas territoriais semelhantes com a China.
Os analistas também disseram que a decisão de terça-feira completou uma série de mudanças promovidas pelo governo Abe ligadas à segurança, que já buscavam libertar o Japão para exercer um maior papel militar na região. Elas incluem a suspensão da proibição autoimposta de venda de armas ao exterior, o início da primeira ajuda militar do Japão a países estrangeiros desde o final da Segunda Guerra Mundial e melhorar sua capacidade de responder a uma crise de segurança, com a criação de um novo Conselho de Segurança Nacional, seguindo o modelo do conselho americano.
"Não apenas com a autodefesa coletiva, mas com tudo o que Abe já fez, o Japão está experimentando um renascimento em segurança", disse Andrew L. Oros, diretor de estudos internacionais da Washington College, em Chestertown, Maryland. "O que é notável não é as coisas estarem mudando, mas estarem mudando com pouco estardalhaço. O Japão está finalmente superando velhos tabus para enfrentar novas realidades."
Tradutor: George El Khouri Andolfato
A decisão há muito esperada do Gabinete de Abe muda uma interpretação de mais de seis décadas da Constituição, que limitava rigidamente as forças do Japão a agirem apenas em defesa própria. A nova interpretação, conhecida como "autodefesa coletiva", permitirá ao Japão usar suas forças armadas, grandes e tecnologicamente avançadas, de formas que seriam impensáveis poucos anos atrás, como sair em ajuda a um navio americano sob ataque, ou abater um míssil balístico disparado contra os Estados Unidos.
Abe vinha buscando uma maior liberdade para as forças armadas de seu país, mas foi forçado a ceder após resistência tanto dentro de seu próprio Partido Liberal Democrata da situação quanto seu parceiro de coalizão, o Partido Budista. Em um sinal de quão potencialmente divisora a mudança pode ser entre os eleitores, cerca de 10 mil manifestantes se reuniram diante da residência do primeiro-ministro na noite anterior, para protestar contra a mudança.
Mesmo assim, a maioria dos japoneses parece aceitar ao menos hesitantemente a mudança --um sinal, disseram analistas, da crescente ansiedade aqui em torno do crescente poderio militar da China, e sua reivindicação cada vez mais vigorosa de ilhas disputadas atualmente sob controle do Japão. Eles disseram que o medo em relação à China tornou o público mais disposto a aceitar a posição de segurança mais assertiva defendida por Abe, que pede ao Japão que abandone sua passividade pós-guerra e se torne uma nação "normal".
"A crescente pressão da China mudou o debate político dentro do Japão", disse Kazuhisa Kawakami, um especialista em política da Universidade Meiji Gakuin, em Tóquio. "Pela primeira vez, os japoneses estão descobrindo que precisam pensar realisticamente a respeito da defesa de seu próprio país."
A nova política não pode entrar em vigor antes do quarto trimestre, já que o Parlamento ainda precisa remover as barreiras legais a uma ação mais ampla das forças armadas ao revisar mais de uma dúzia de leis existentes, disseram especialistas e parlamentares. Mas com a coalizão de governo de Abe desfrutando de uma maioria confortável em ambas as casas, a mudança parece praticamente certa.
Ainda assim, mesmo sob a nova política, as forças armadas japonesas, chamadas de Forças de Autodefesa, enfrentarão limites rígidos, que apenas permitirão que atuem quando houver "perigo claro" ao Japão ou sua população, e o uso apenas do "nível mínimo de força necessário", segundo o texto da decisão do Gabinete.
Em um discurso transmitido ao vivo pela TV para todo o país, Abe buscou acalmar as preocupações dos oponentes, declarando que a nova política não levaria o Japão a uma ladeira escorregadia, ao arrastá-lo para guerras distantes lideradas pelos Estados Unidos. Mas ele também disse que a nova política forjaria laços mais estreitos com os Estados Unidos, que contam com 50 mil militares posicionados no Japão sob um tratado de segurança da época da Guerra Fria, que os obrigam a sair em defesa do Japão.
"Isto não vai mudar o Japão em um país que trava guerras", disse Abe. "As Forças de Autodefesa não entrarão em combate em conflitos como a Guerra do Golfo ou do Iraque."
Em vez disso, ele disse que a mudança era necessária para que o Japão possa atuar como um aliado pleno dos Estados Unidos, à medida que busca uma demonstração mais clara de apoio dos americanos em sua disputa territorial com a China.
"Uma aliança fortalecida entre Japão e Estados Unidos é uma força de dissuasão que contribui para a paz do Japão e desta região", disse Abe.
Ele também disse que a mudança permitiria ao Japão participar mais plenamente das operações de força de paz da ONU, ao permitir que soldados japoneses possam ajudar outros soldados de força de paz sob ataque.
As autoridades americanas apoiam a nova política, dizendo que apreciam a ideia do Japão arcar com um fardo maior de segurança na região da Ásia-Pacífico, em um momento em que os Estados Unidos enfrentam novos problemas no Oriente Médio e cortes orçamentários adicionais em casa.
Mas a nova política provocou reações ambíguas na Ásia. Apesar do presidente das Filipinas ter dito em Tóquio, na semana passada, que apoiava o Japão fazer mais para ajudar a compensar as reivindicações cada vez mais assertivas da China na região, a China e a Coreia do Sul disseram que um Japão rearmado traz lembranças amargas da marcha brutal do Japão pela Ásia no início do século 20.
Um comentário da agência de notícias estatal da China, "Xinhua", alertou que Abe está "flertando com o espectro da guerra" ao tentar remilitarizar o Japão.
Apesar de Abe ter concentrado seus comentários em laços mais estreitos com os Estados Unidos, analistas disseram que a nova política também poderia facilitar para o Japão buscar novas alianças militares com outros países –incluindo as Filipinas e o Vietnã, que têm disputas territoriais semelhantes com a China.
Os analistas também disseram que a decisão de terça-feira completou uma série de mudanças promovidas pelo governo Abe ligadas à segurança, que já buscavam libertar o Japão para exercer um maior papel militar na região. Elas incluem a suspensão da proibição autoimposta de venda de armas ao exterior, o início da primeira ajuda militar do Japão a países estrangeiros desde o final da Segunda Guerra Mundial e melhorar sua capacidade de responder a uma crise de segurança, com a criação de um novo Conselho de Segurança Nacional, seguindo o modelo do conselho americano.
"Não apenas com a autodefesa coletiva, mas com tudo o que Abe já fez, o Japão está experimentando um renascimento em segurança", disse Andrew L. Oros, diretor de estudos internacionais da Washington College, em Chestertown, Maryland. "O que é notável não é as coisas estarem mudando, mas estarem mudando com pouco estardalhaço. O Japão está finalmente superando velhos tabus para enfrentar novas realidades."
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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