quarta-feira, 30 de julho de 2014

Mundo árabe acompanha trágico êxodo de sua população cristã
Le Monde
Pela primeira vez em quase 2.000 anos, praticamente não existem mais cristãos na cidade antiga de Mossul, no norte do Iraque, um dos primeiros locais de implantação do cristianismo. Esse é só mais um passo em uma tragédia que nada nos últimos 30 anos parece conseguir deter: a extinção dos cristãos nessa parte do Oriente Médio que viu surgir o segundo grande monoteísmo.
Esse desaparecimento vem ocorrendo em meio à indiferença e à impotência, sobretudo da União Europeia. Uma parte da História está sendo apagada, carregada pela tormenta desse século, em um Oriente Médio sujeito a uma crise aguda de declínio político-religioso.
As notícias de Mossul, que costumava abrigar uma comunidade de 5.000 a 25 mil cristãos, são mais do que entristecedoras. A cidade, assim como todos os antigos vilarejos assírios-caldeus das cercanias, caiu nas mãos do "Estado Islâmico" --o "califado" decretado pelos jihadistas que se apropriaram de parte do Iraque e da Síria.
Os jihadistas desenharam um "N" --de "nassarah", cristãos em árabe-- em cada casa visada. Através de panfletos e alto-falantes, os milicianos deram algumas horas aos cristãos para escolherem: converter-se ao islamismo, pagar um imposto especial para não-muçulmanos ou ir embora. As casas foram "confiscadas".
Os cristãos fugiram de Mossul e dos vilarejos dos arredores. No último posto de controle antes do Curdistão vizinho, os jihadistas "pegaram dinheiro, joias, telefones e até as bolsas de roupas e de comida", contaram os refugiados ao enviado especial do "Le Monde". O Vaticano acredita que os jihadistas tenham incendiado o arcebispado siríaco de Mossul.

Com exceção do Líbano, a região inteira está perdendo suas minorias cristãs

Por generosidade do povo das montanhas, pelo senso tradicional de hospitalidade ou por solidariedade de ex-perseguidos, os curdos, muçulmanos sunitas, têm acolhido os cristãos do Iraque. Irbil, a capital do governo regional do Curdistão do Iraque (GRC), é provavelmente a última cidade do Levante onde se constroem igrejas.
De passagem por Paris, Fouad Hussein, diretor de gabinete do presidente do Curdistão do Iraque, Massoud Barzani, observou que o GRC não recebia nenhuma ajuda por sua hospitalidade --seja da ONU, do Vaticano ou da União Europeia.
O exílio dessas famílias de Mossul é o último episódio do drama vivido pela população cristã do Iraque, uma das mais antigas da região. Segundo várias estimativas, o Iraque contaria com quase um 1,5 milhão de cristãos no final dos anos 1980 (entre 20 milhões de habitantes).
Os anos de embargo da ONU levaram muitos deles a imigrar. Em 2003, no momento da intervenção norte-americana, eles não passavam de 800 mil. Considerados "pró-americanos", eles seriam o alvo privilegiado de atos de violência cometidos em nome da luta contra o ocupante. E hoje, eles são quantos? Talvez ainda algumas dezenas de milhares.
Com exceção do Líbano, é toda a região que tem perdido suas minorias cristãs, vítimas da ascensão do islamismo político, das guerras que devastam o mundo árabe, forçadas ao exílio pelas dificuldades econômicas e por um clima político marcado pela intolerância e pelo fanatismo.
Os árabes cristãos não são as únicas vítimas desse expurgo religioso: é todo o mundo árabe que está sendo amputado.

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