sexta-feira, 4 de julho de 2014

Não tem mais bobo no futebol
'Globalização' técnica e econômica dá cabo de times ingênuos e de certa graça das diferenças
VINICIUS TORRES FREIRE - FSP
A FRASE QUE está no título desta coluna tornou-se lugar comum faz tempo, como sabe qualquer um que acompanha futebol ao menos durante Copas.
Quando e por que começou a extinção dos "bobos", os seleções nacionais entre ingênuas e fracas?
Difícil saber quando se difundiu a percepção de que os jogos entre "potências" tradicionais e tradicionais azarões se tornaram regularmente mais difíceis --zebras sempre existiram. Observando as estatísticas de campeonatos internacionais de seleções, parece que os "bobos" começaram a desaparecer na primeira metade dos anos 1990.
Talvez não por acaso, foi também quando a dúzia de times europeus que ora comanda ou lidera o futebol mundial tornou-se negócio grande, de interesse de TVs, depois de conglomerados de mídia, muitas vezes. Grupos de mídia são donos de vários times, de contratos de transmissão, de estádios rentáveis etc. O caso notório de Silvio Berlusconi, sua Mediaset e seu Milan não é extravagância, apesar das aberrações políticas, econômicas, futebolísticas e policiais desse contubérnio.
Na virada dos anos 1980 para os 1990, os times europeus maiores, que já vinham tentando se transformar em "big business", passaram a assinar contratos de transmissão de jogos com valores estratosféricos, dezenas de vezes superiores àqueles típicos até os anos 80.
Difundiam-se então os serviços de TV por assinatura, "TV paga", por cabo ou satélite.
Ou seja, o início do consumo de massa de uma tecnologia de comunicação ampliou as oportunidades de negócio do futebol. Além do mais, o preço de ingressos passou a correr acima da inflação. O licenciamento em massa de produtos relacionados a clubes e jogadores, o marketing organizado, maciço, de dinheiro grosso, também explodiu por essa época.
Assim, aumentou muito o poder econômico dos clubes europeus, na verdade do consórcio clubes-mídia. Jogadores do resto do mundo passaram a ser importados em massa, o que foi ainda facilitado depois de 1995 por decisões judiciais a respeito do livre trânsito de jogadores (que são enfim trabalhadores) na União Europeia.
Atletas das seleções "bobas" passaram a ser treinados nos melhores campeonatos, com as melhores técnicas. Foram, de certo modo, aculturados, perderam alguns traços do modo de jogar "nacional", enquanto passavam a ser treinados de acordo com métodos científicos. As melhorias econômicas nos países "subdesenvolvidos" ajudam a dar cabo do modo tradicional, malabarista e fantasista, de jogar bola.
É verdade que a "globalização" do futebol corria também por outras pistas. A tecnologia permitiu o acompanhamento de campeonatos do outro lado do planeta --não haveria mais surpresas como a Holanda de 1974. Treinadores passaram a circular mais pelo mundo. Técnicos esportivos passaram a se formar em massa em cursos universitários e em outros centros de formação.
Assim, a tecnologia do esporte tornava-se disponível para o mundo inteiro, tanto nos seus aspectos puramente atléticos como nas táticas de jogo e na formação da mentalidade do profissional do esporte.
A "globalização" vai extinguindo os "bobos". E certa graça das diferenças.

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