Oligarquias locais e eleições presidenciais
Partidos põem poder dos antigos "mandões" em xeque
VITOR PEIXOTO - VE
Nas eleições de 1989,
houve quem contasse os apoios dos prefeitos aos candidatos às eleições
presidenciais como forma de mensurar o poder de cada qual. Os municípios
brasileiros, principalmente os menores, mais pobres e localizados no
Norte e Nordeste, eram ainda interpretados como locais de fragilidade do
sistema partidário e propício à reprodução dos desmandos dos
"coronéis", tais quais eternizados por Victor Nunes Leal na
obra "Coronelismo, Enxada e Voto". O interior brasileiro foi tomado
pelos analistas políticos como terras férteis para os "mandões"
exercerem seus desígnios sem limites na ausência completa de competição e
dominarem os votos advindos destas localidades, normalmente denominada
por "grotões eleitorais".
O país está prestes a
comemorar três décadas do processo democrático legislativo que culminou
na Constituição de 1988. Podemos pensar que este poder ainda existe?
Qual seria a influência dos prefeitos nas eleições presidenciais? Na
perspectiva histórica, 30 anos podem parecer um período relativamente
curto. Entretanto, intensas transformações marcaram profundamente as
estruturas sociais, políticas e econômicas brasileiras. A
descentralização político-administrativa, sem sombra de dúvidas, é uma
das principais marcas desse período. O incremento da autonomia das
unidades locais foi seguido de uma intensa e abrupta criação de unidades
administrativas municipais. Entre 1988 e 2001, foram criados nada menos
do que 1.439 novos municípios - ou aproximadamente duas unidades a cada
semana!
Se por um lado, a
criação de municípios causa preocupação dadas as dificuldades de
sustentabilidade econômico-fiscal, por outro, é inegável que aumentou a
representatividade do sistema político no nível local. Este último ponto
pode parecer um tanto duvidoso. No entanto, caso se leve em conta que o
aumento do número de vereadores tornou cidadãos de longínquas
localidades mais próximos de seus representantes, salta aos olhos o
argumento tão propalado pela literatura que defende esta proximidade
como uma forma de incrementar os sistemas de controle (accountability).
Outro aspecto positivo
diz respeito exatamente à "desoligarquização" dos sistemas políticos
locais, posto que a competição eleitoral aumenta gradativamente por todo
o território brasileiro. A perda do monopólio do poder municipal é
sentida em todas as regiões do país, assim como em municípios de todos
os tamanhos. Ainda que se possa afirmar que a simples multiplicação de
partidos não significa necessariamente a diversos grupos competindo,
dado que um ou poucos grupos podem dominar as diferentes legendas (e
isto realmente ocorre com certa frequência), não se pode negligenciar
que a existência de instituições partidárias formais influenciam
sobremaneira na estabilidade dos acordos entre as lideranças. Dito de
outra forma, é fato que um político local pode controlar vários
partidos, mas o seu domínio estará muito mais suscetível a defecções em
sistemas que haja saídas institucionais para os que não cooperarem.
Portanto, a simples existência de partidos organizados localmente
colocam o poder dos antigos "mandões" em xeque.
Há diversas formas de se
mensurar a competitividade dos sistemas políticos, dos mais simples aos
mais complexos indicadores, e em todos eles os sistemas políticos
locais apresentam maior competitividade. Destarte, há uma enorme
proliferação de partidos políticos no nível municipal nas últimas duas
décadas, cresce em todas as regiões e em todos os tamanhos de
municípios. Há, portanto, uma enorme competitividade institucional
partidária nos municípios brasileiros. Ainda que estes partidos possam
ser considerados "legendas de aluguel" pelos mais pessimistas,
representam importante avanço na quebra do monopólio oligárquico no
Brasil, o que possibilita que novos grupos políticos possam surgir e se
institucionalizar em sistemas muito fechados até bem recentemente.
Em resumo, podemos afirmar que do início da década de 1990 até hoje a política municipal sofreu grandes alterações:
1) Aumentou
significativamente o número de competidores nos municípios pela
nacionalização do sistema partidário, principalmente, nas eleições
proporcionais (para vereadores);
2) O fator institucional
(sistema eleitoral majoritário) é o maior limitador da competição
eleitoral para prefeitos, no que concerne ao número de competidores,
muito maior do que fatores socioeconômicos dos municípios, esta
conclusão baseia-se na comparação entre as variações da competitividade
dos sistemas eleitorais - majoritário e proporcional, muito maior neste
último em todos os municípios.
3) Nas eleições
proporcionais, a competição, menos restringida pela variável
institucional, está associada a fatores econômicos tais como
industrialização, taxa de analfabetismo, PIB, profissionalização da
administração municipal e estrutura de comunicação.
4) Diante de
pulverização da competição, o domínio dos prefeitos sobre os eleitores
vê-se diminuído dado os riscos de concentrar recursos nas eleições
nacionais e perder o apoio ao próprio grupo nas eleições seguintes.
Destarte, ainda que haja
diversas formas de se mensurar a competitividade dos sistemas
políticos, dos mais simples aos mais complexos indicadores, em todos
eles os sistemas políticos locais apresentam maior competitividade hoje
do que há 25 anos. E uma evidência cabal desse processo é o fato que,
nas eleições de 2006 e 2010, os candidatos do PT e PSDB tiveram em média
menos (ou igual) votos nos municípios em que administravam a prefeitura
do que nas administradas por seus adversários. Compreender o Brasil de
hoje é uma tarefa impossível sem analisar a política local, ainda que
seja para afirmar que ela pouco trará influência nas eleições
presidenciais.
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