Perder a mesma guerra duas vezes
Jorge Ramos - NYT
É o momento da vingança no Iraque. Raouf Abdul Rahman, o juiz que
condenou à morte o ex-ditador Saddam Hussein em 2006, foi detido e
executado por rebeldes sunitas quando fugia de Bagdá, disfarçado,
supostamente, de bailarino. É impossível confirmar, mas foi relatado por
fontes confiáveis.
Saddam, um sunita, é considerado um mártir
pelo grupo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), que tenta
derrubar o governo do xiita Nouri Hasan al-Maliki. Esse é o Iraque que
nos deixou o ex-presidente americano George W. Bush.
A única
maneira de manter unidos sunitas, xiitas e curdos no Iraque foi pela
força. Assim o fez o Império Otomano, depois os britânicos no início do
século 20 e posteriormente Saddam Hussein, como ditador, de 1979 até a
invasão americana em 2003. Bush literalmente não sabia em que estava se
metendo.
Diante do temor de outro ataque terrorista como o de 11
de setembro de 2001, Bush inventou a guerra no Iraque. A desculpa era
que Saddam tinha armas de destruição em massa e poderia utilizá-las
contra os EUA. Eram mentiras. O então secretário de Estado, Colin
Powell, queimou toda a sua credibilidade em um famoso discurso na ONU
antes do ataque ao Iraque em março de 2003. Vendeu fumaça e espelhos. O
resultado é a tragédia que estamos vivendo agora.
Entrei no
Iraque pela fronteira com o Kuwait durante os primeiros dias da guerra.
Longe de sermos recebidos como libertadores, pude ver os rostos
ressentidos dos iraquianos diante das tropas americanas. O resultado da
guerra que Bush inventou está claro: morreram mais de 126 mil civis
iraquianos (IraqBodyCount.org) e quase 4.500 soldados americanos.
Assim os EUA perderam a guerra pela primeira vez. Todas essas mortes foram em vão e por uma razão equivocada.
O letreiro "Missão cumprida" que apareceu atrás do discurso do então
presidente Bush em maio de 2003, no porta-aviões USS Abraham Lincoln – e
sua teatral e desnecessária aterrissagem em um avião de combate –, é
uma das coisas mais ridículas feitas por um presidente americano durante
uma guerra. A maior parte das baixas na guerra do Iraque ocorreu depois
desse discurso.
Barack Obama prometeu e depois cumpriu a
retirada das tropas americanas do Iraque em dezembro de 2011. Nesse
momento disse que deixava um Iraque "soberano, estável e
autossuficiente". Não foi assim. O conflito interno na Síria
desestabilizou ainda mais a região, e hoje rebeldes sunitas, com o apoio
de combatentes sírios, puseram a nação iraquiana à beira do colapso. O
Iraque poderia perfeitamente dividir-se em três territórios
independentes. Essas fortes tendências sectárias e religiosas – xiitas,
sunitas e curdas – ameaçam o fim da ideia ilusória de um só Iraque.
Diante de um Iraque que se autodestrói, o presidente Obama decidiu
sabiamente não se meter. Mas esta é a segunda vez que os EUA perdem a
mesma guerra. O ex-vice-presidente Dick Cheney disse em uma entrevista
que a invasão do Iraque em 2003 foi "a decisão correta na época, e creio
que ainda o é". O que mais vai dizer, se a ideia foi dele? Mas não é
correto que milhares de americanos e civis iraquianos tenham morrido por
armas de destruição em massa que nunca existiram. Não é correto
inventar guerras preventivas. Não é correto mandar outros morrerem sem
ter certeza de uma ameaça iminente.
Obama não quer voltar a se
meter no Iraque. Mas Cheney acredita que o presidente está cometendo um
enorme erro. Cheney disse a um comentarista de rádio que "vai haver
outro ataque" terrorista nos EUA na próxima década e que será "mais
mortífero" que o de 2001. Foi assim, vendendo o medo, que os EUA se
meteram desnecessariamente na guerra no Iraque há 11 anos.
Os
EUA nunca souberam claramente qual era seu objetivo ao atacar o Iraque.
Matar Saddam? Evitar um possível ataque terrorista? Por isso perderam a
guerra duas vezes: primeiro com a morte injustificada de milhares de
seus soldados e agora vendo desmoronar o governo que deixou encarregado
do país.
Os insurgentes sunitas do EIIL estão hoje à frente de
cidades que custaram muitos anos e muitos mortos para os EUA
controlarem. Executaram Saddam, um sunita, mas outros sunitas estão
agora no controle de um terço do Iraque. Tudo foi inútil.
Não há guerra boa.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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