Apoiar um homem forte como o general Hifter pode minar ainda mais a credibilidade já desgastada dos EUA na região.
Ibrahim Sharqieh - NYT
Anja Niedringhaus/AP
O general líbio Khalifa Hifter ganha força no país com uma campanha contra muçulmanos e promessa de estabilidade
"Nós provavelmente precisamos de um ditador justo", meu amigo me disse
durante uma visita à Líbia em janeiro de 2013. Ele estava se referindo à
sensação geral de falta de esperança que havia começado a crescer entre
a população da Líbia. A situação de segurança havia se deteriorado e os
líbios estavam buscando um salvador.
No meio dessa situação
desanimadora, um general líbio, Khalifa Hifter, surgiu e se intitulou
como o salvador de um país profundamente dividido. Embora ele pareça
responder ao anseio do meu amigo e de muitos líbios por um "ditador
justo" para liderar o país durante seu problemático período de
transição, o general Hifter também invoca o fantasma do infame golpe do
coronel Muammar Gaddafi em 1969 e da agonia coletiva que se seguiu.
Muitos líbios estão se perguntando, portanto, se o general Hifter é o
salvador almejado ou apenas mais um ditador.De qualquer forma, Washington deve agir com cautela. Acomodar abertamente ou apoiar indiretamente um novo homem forte tão pouco tempo depois que a Líbia derrubou seu ditador de longa data não só prejudicará a transição democrática como também exacerbará o deficit de credibilidade dos EUA no Oriente Médio.
Se o general Hifter não existisse, o povo líbio o teria criado. O fato de ele ter emergido não deve surpreender, dada a desordem do país. Se algo surpreende, é o fato de que ele, ou alguém como ele, não tenha aparecido muito antes.
Desde o colapso do regime de Gaddafi em outubro de 2011, os líbios têm sofrido de uma insegurança e incerteza excessivas sobre a direção de seu país. A Líbia pós-Gaddafi é na verdade dois estados funcionando paralelamente – o Estado oficial, que não têm poder na prática, e o Estado das milícias, que dita os fatos na prática. O exemplo mais notório desta falta de controle de um Estado central foi quando as milícias sequestraram o primeiro-ministro Ali Zeidan em outubro de 2013. A Líbia não é apenas um Estado fracassado, mas também um estado à beira de uma guerra civil.
Uma situação na qual generais poderosos emergem em meio ao caos de uma guerra civil não é única à Líbia. Ali Abdullah Saleh, do Iêmen, chegou ao poder em 1978 depois da experiência do país com a guerra civil. A guerra civil do Líbano abriu caminho para o general Michel Aoun liderar um governo militar que tomou o poder em 1988. Mais recentemente, a conturbada transição no Egito culminou com a ascensão do ex-chefe do exército, Abdel Fattah al-Sisi, ao poder. De fato, muitos especulam que o general Hifter será o "Sisi da Líbia".
Mas a história de militares fortes tomando o poder e depois empurrando seu país para um caos ainda maior deve oferecer aos norte-americanos um motivo para hesitar.
O general Hifter já tem uma história controversa na Líbia. Ele fez parte da equipe que realizou o golpe de 1969 e, mais tarde, liderou uma guerra controversa contra o Chade de 1978 a 1987. Depois da derrota da Líbia na guerra, o general Hifter fugiu para os Estados Unidos, onde se tornou cidadão norte-americano e se dedicou a derrubar o regime de Gaddafi.
Quando a revolta de 2011 começou, o general Hifter voltou para a Líbia e lutou lado a lado com os islamistas que atualmente condena. Quando ele se apresenta como o unificador da Líbia, alguns veem seu movimento como uma reação à controversa proibição de que todos os membros do alto-escalão do governo do coronel Gaddafi ocupem cargos públicos, inclusive o general Hifter.
Independentemente dos motivos do general Hifter, a Líbia precisa de um diálogo nacional inclusivo, e não da formação de mais uma milícia ou de um golpe.
O fato de o general Hifter se alinhar com as milícias provavelmente desencadeará a formação de novas alianças entre os 250 mil militantes da Líbia e aprofundará as divisões no país, possivelmente até mesmo empurrando o país para uma guerra civil declarada. Cerca de apenas 30 mil combatentes lutaram contra o exército do coronel Gaddafi; o resto pegou em armas mais tarde.
Durante os últimos dois anos, muitos deles lucraram com –e desenvolveram um interesse em manter– o caos que engole o país. Generais, grupos islamistas e outros revolucionários comprometidos que lutaram verdadeiramente contra o governo Gaddafi não se renderão ao movimento do general Hifter – e isso representa uma grave ameaça às perspectivas de estabilidade na Líbia.
A tolerância de Washington ao movimento do general Hifter tornou as coisas bem piores. Deborah Jones, embaixadora dos EUA na Líbia, foi citada dizendo: "não virei a público para condenar o que ele fez", porque, acrescentou ela, as forças do general Hifter estavam perseguindo grupos que estão na lista de terroristas de Washington.
Motivada pelo objetivo a curto prazo de lutar contra o terrorismo, a política externa norte-americana está se revertendo para a tradição ignóbil de tolerar ditaduras e priorizar soluções de segurança. Como resultado, os EUA estão permitindo que a Líbia escorregue para uma guerra civil em vez de ajudar o país em uma transição para a paz, a democracia e o pluralismo. Os Estados Unidos deveriam, em vez disso, colocar pressão sobre o general Hifter e usar seu poder para apoiar um diálogo nacional inclusivo que possa eventualmente forjar um novo contrato social e colocar a Líbia em um caminho para a paz e a reconciliação.
Quer seja justo ou opressor, um ditador é sempre um ditador. A Líbia finalmente escapou da autocracia, e não deveria retornar a ela.
Tradutor: Eloise De Vylder
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