Quantificação da divisão social na França
Celestine Bohlen - NYTPara avançar no debate sobre integração, discriminação e identidade nacional, a França precisa de estatísticas relativas à sua composição racial, religiosa e étnica.
A França está dividida em dois, pelo menos foi o que disse o primeiro-ministro Manuel Valls, em um discurso extraordinariamente explícito na última terça-feira (20/1). Não apenas dividida, mas separada por um "apartheid social, étnico e territorial", como elaborou o primeiro-ministro.
Essas palavras foram um choque para um país que, poucos dias antes, havia se reunido em uma manifestação de milhões de pessoas em solidariedade após os ataques por extremistas islâmicos. O discurso de Valls deu partida a um debate feroz, o que, como admitiu mais tarde, era a sua intenção. É importante, segundo ele, ter "a coragem de chamar estas situações pelo nome".
Mas, para levar o debate à frente, a França precisa de fatos, e há uma séria falta de fatos no debate que já dura décadas sobre a integração, a discriminação e a identidade nacional francesa. Questões sobre raça, religião e etnia são proibidas no censo nacional e são formalmente restritas nas pesquisas realizadas por pesquisas patrocinadas pelo governo.
Então, quem está separado de quem? Quem pertence à qual França? Estas questões parecem ser um ponto de partida natural para a discussão que o país está tentando ter. Sem respostas confiáveis, a França fica com uma série de estimativas pouco confiáveis sobre, por exemplo, a parcela de muçulmanos na população –que, dependendo da fonte, oscila entre pouco mais de 4 milhões a 6 milhões, uma diferença significativa para um total de 66 milhões de habitantes.
E, no entanto, por enquanto, essas questões não estão sendo expostas, de acordo com Isabelle Falque-Pierrotin, presidente da agência de proteção de dados da França. "Esse assunto não surgiu", disse ela a jornalistas da Associacao de Imprensa Anglo-americana de Paris na quarta-feira.
O tabu contra a coleta de dados sobre raça, etnia e religião deriva da Constituição que se recusa a fazer distinções entre os cidadãos que são considerados iguais e igualmente franceses. Alguma margem de manobra é permitida -por exemplo, perguntas quanto ao país de origem ou a nacionalidade dos pais, categorias que alguns se queixam de servirem apenas para separar os franceses dos "menos franceses".
Patrick Simon, pesquisador do Instituto Nacional de Estudos Demográficos, vem se frustrando com o que ele considera uma contradição fundamental -de um lado, as repetidas referências à raça, etnia e religião no debate público e, do outro, a ausência de instrumentos quantitativos para medir as populações sobre as quais todos falam.
"Para compreender a situação, precisamos de estatísticas", disse Simon. "Nós temos um problema que não é independente da abordagem política para toda a questão. A questão das estatísticas é apenas um elemento dentre outros".
Simon enfrentou uma oposição ao seu trabalho há vários anos, quando estava preparando um estudo de referência chamado "Trajetórias e origens", uma análise de diversas populações da França baseada em 22.000 entrevistas realizadas em 2008 e 2009.
A pergunta "Como você descreveria a cor da sua pele?" teve que ser retirada do questionário após o Tribunal Constitucional da França decidir, em 2007, que os pesquisadores poderiam colocar apenas as questões que buscavam respostas "subjetivas". A coleta de dados sensíveis, como a afiliação religiosa, pode ser autorizada pela agência francesa de proteção de dados se os entrevistados derem o seu consentimento explícito.
A pesquisa de Simon entre pessoas com 18 a 60 anos de idade revelou uma população muçulmana na França de 2,1 milhões de habitantes, o que, quando se extrapola para a população total, produz um total de 4,1 milhões. Este número é muito menor do que os citados normalmente, que são extraídos principalmente de estatísticas pouco confiáveis que se baseiam no país de origem (por exemplo, os cidadãos franceses de origem argelina não são necessariamente muçulmanos).
A objeção à coleta de dados de etnia ou religião baseia-se no argumento de que são essencialmente discriminatórios e leva a divisões na sociedade. Mas ninguém nega que existe discriminação na França de qualquer maneira: é bem documentada a discriminação racial ou religiosa, tal como praticada pela polícia, agentes imobiliários e patrões.
Agora, até Valls está falando sobre "duas Franças". O próximo passo, diz Simon, é reunir informações confiáveis sobre como e por que a França está dividida.
Tradutor: Deborah Weinberg
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