quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Charges que irritam Correa colocam cartunista na mira do governo do Equador
Javier Lafuente - El País
Reprodução/El Universo/Bonil
Charge do cartunista Bonil publicada no jornal "El Universo" foi contestada pelo governo Charge do cartunista Bonil publicada no jornal "El Universo" foi contestada pelo governo
Havia terminado o ato em que interveio o general Guillermo Rodríguez Lara, o ditador que governou o Equador na primeira metade dos anos 1970, quando o jornalista Gonzalo Bonilla, durante o coquetel, começou a contar uma série de piadas sobre militares para alguns de seus colegas: "Você está exagerando", um deles o advertiu, sem efeito. "General", dirigiu-se Bonilla ao ditador: "Não é verdade que o senhor gosta de ouvir piadas sobre militares?" "É sim, doutor", respondeu Rodríguez Lara, contrariado. "Está vendo, eu disse, o problema é quando temos de explicar para eles", acrescentou Bonilla a seu colega jornalista. A anedota, lembrada entre risos por seu filho, o desenhista Xavier Bonilla, conhecido como Bonil, evidencia como a relação entre humor e poder impregnou a vida do chargista que mais incomoda o governo do Equador.
A Superintendência da Informação e Comunicação (Supercom), órgão criado depois que o governo de Rafael Correa aprovou a Lei de Comunicação Orgânica, em 2013, repreendeu Bonil na semana passada por causa de uma charge em que ele criticou a preparação de um deputado afro-equatoriano do partido governista, que "travou" ao ler um discurso na Assembleia Nacional. A Supercom pediu para Bonil "corrigir e melhorar suas práticas para o exercício pleno e eficaz dos direitos à comunicação", enquanto o jornal "El Universo" foi obrigado a publicar um pedido de desculpas em sua edição impressa e no site durante sete dias, na forma de um gigantesco letreiro preto.
"Toda a minha vida profissional estive do lado da defesa dos direitos, coletivos e individuais. Hoje recebo uma sanção por discriminação e fico com os olhos arregalados", lamentou Bonil, em Quito, "um pouco desgastado pessoal e animicamente." "É incrível que me acusem de racismo, quando meu pai era chamado de 'El Negro'!", acrescenta. O desenhista, prestes a completar 51 anos e com 30 de profissão, cresceu vendo os desenhos de Chumy Chúmez e Forges; com os exemplares de "Hermano Lobo" e "Charlie Hebdo" que seu pai, que morou em Paris nos anos 1970, por uma breve temporada, levava para ele no Equador. "Todos eles me fizeram ver que o humor era um caminho para falarmos do que nos deixa descontentes."
As disputas entre Bonil-"El Universo" e Rafael Correa se repetiram nos últimos anos. Em janeiro de 2013, Correa e Jorge Glas, candidato à vice-presidência, enviaram uma carta a "El Universo" na qual criticavam um desenho de Bonil e exigiam seu direito à réplica no mesmo espaço. Mas o jornal, que é de Guayaquil, cidade de origem do presidente, publicou a carta na íntegra em outra seção, a de Opinião, o que incomodou o dirigente. Em fevereiro do ano passado, Bonil foi a primeira vítima da lei de imprensa aprovada em junho de 2013. A Supercom o obrigou a retificar uma charge sobre a derrubada da moradia do jornalista Fernando Villavicencio, assessor de um deputado de oposição, por considerar que não correspondia à "realidade dos fatos e estigmatiza a ação da Promotoria Geral e da Polícia Judiciária". O desenhista acatou a ordem, mas ninguém esperava que recorresse ao humor na retificação. Uma piada de mau gosto para o poder. Apesar de nessa ocasião a sanção ter sido menor, Bonil acredita que a advertência é "uma espada de Dâmocles" que cravaram nele para mantê-lo sob controle ou assustá-lo.
O desenhista nega que tenha uma fixação por Correa e lembra que um dos primeiros trabalhos que publicou em um grande veículo foi uma caricatura de um funcionário do Executivo de Febres-Cordero, "o grande representante da direita, que dirigiu um governo repressor e que o atual Executivo ainda menciona como exemplo do que é oposto a ele", relembra. Bonil admite que Correa é o dirigente que ele mais desenhou, "pelo simples fato de ser quem está há mais tempo no poder", desde que ganhou suas primeiras eleições, em 2006.
Correa sempre foi criticado pelo controle que quis exercer sobre a imprensa, aguçado depois da aprovação da lei de 2013. A Fundação Andina para a Observação e o Estudo da Imprensa (Fundamedios) denunciou no ano passado 254 ataques à liberdade de expressão, desde decisões judiciais arbitrárias, agressões verbais ou abusos de poder - um aumento de 46% em relação a 2013.
O secretário nacional de Comunicação, Fernando Alvarado, disse em uma entrevista em 2012 que os meios de comunicação "são como um matagal que é preciso limpar". O próprio Correa não foi alheio ao processo contra Bonil. Um dia depois da audiência com o desenhista, o presidente deixou clara sua opinião no Twitter: "Processo de afros contra Bonil: que bom que haja debates sobre esses temas! [sic] Antes, os engraçados faziam o que tinham vontade".
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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