domingo, 1 de fevereiro de 2015

De um extremo a outro
O Estado de S.Paulo
Pode-se dizer que já era esperada a decisão do governo de negociar com as centrais sindicais a redução de benefícios trabalhistas e previdenciários explicitada nas Medidas Provisórias (MPs) 664 e 665, de 30 de dezembro, como parte dos cortes de gastos necessários para o equilíbrio fiscal. Medidas como essas costumam ser excessivamente duras de propósito em sua versão original, justamente para deixar margem a entendimentos que resultem em concessões destinadas a facilitar sua aceitação.
"Nós vamos no dia 3 escutar as centrais sindicais. Estamos seguros da qualidade e da necessidade das medidas. Todas elas podem, obviamente, ser qualificadas, melhoradas e ajustadas. Para isso serve o diálogo. E é nesse processo que apostamos", afirmou o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto, que participará dos entendimentos juntamente com seus colegas Nelson Barbosa, do Planejamento, Carlos Gabas, da Previdência, e Manoel Dias, do Trabalho.
O que não se esperava de um governo que se proclama o defensor maior dos direitos e interesses dos trabalhadores é que propusesse aquelas medidas sem ouvir antes a opinião das entidades que os representam. Pegas assim de surpresa, e sentindo-se marginalizadas no trato de questões de grande importância para elas, as centrais sindicais reagiram com dureza. E unidas - desde as simpáticas ao governo, como Central Única dos Trabalhadores (CUT), até a Força Sindical, que com frequência se alia à oposição -, o que tem sido raro nos últimos anos. Foi certamente isso que levou o governo, temendo pelo futuro das MPs no Congresso, a investir pesado no diálogo, com a participação de quatro ministros.
Deixando de lado esse escorregão, o princípio que orientou as duas MPs - cortar excessos na concessão de benefícios, tendo em vista a necessidade imperiosa de conter gastos - estava certo. No que se refere ao seguro-desemprego - para citar o caso que tem merecido mais atenção das centrais -, procede o argumento do governo, na exposição de motivos da MP 665, de que "tão importante quanto a criação de um programa é o seu redesenho, afinal de contas, a sua própria efetividade é determinante para que o público-alvo seja revisto ao longo do tempo".
Nesse redesenho se propõe aumentar de 6 para 18 meses a carência para o primeiro pedido de seguro-desemprego; e de 6 para 12 meses, para o segundo. As centrais querem reduzir o prazo da primeira solicitação para 12 meses e a manutenção dos 6 meses na segunda. Um acordo com base em propostas intermediárias parece possível. O mesmo pode acontecer em outros casos, como os do abono salarial e auxílio-doença.
Maior atenção vem sendo dada a esses pontos porque as restrições aos benefícios de que eles tratam têm efeitos a curto prazo. Já as consequências das restrições às pensões por morte, tratadas pela MP 664, são mais distantes, mas não menos importantes. Também é evidente a necessidade - que vem de longe e independe da pressão por corte de gastos - de eliminar situações injustificáveis, como a das chamadas viúvas ou viúvos jovens com direito à pensão vitalícia. Propõe-se, o que é razoável, que o benefício varie de acordo com a expectativa de vida.
O que nem de longe é razoável é que mesmo nos casos em que ela é vitalícia, tendo em vista a idade mais avançada do beneficiário, passe a valer a regra estabelecida pela MP de que a pensão deixada pelo cônjuge falecido seja de apenas 50% do valor original, desde que não inferior ao salário mínimo.
Um exemplo basta para ilustrar bem essa situação. A viúva, dona de casa, de um aposentado que ganhava pensão de dois salários mínimos - caso que não é excepcional - terá seu benefício reduzido a apenas um. Como as despesas fixas da casa não diminuem com a morte do cônjuge, a viúva se verá em sérias dificuldades. Em outras palavras, se tal regra for mantida em casos como esse, a situação passará de um extremo a outro - a das inaceitáveis jovens viúvas ricas de hoje para a de velhas viúvas miseráveis de amanhã, o que é igualmente inaceitável.

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