De um extremo a outro
O Estado de S.Paulo
Pode-se dizer que já era esperada a decisão do governo de
negociar com as centrais sindicais a redução de benefícios trabalhistas e
previdenciários explicitada nas Medidas Provisórias (MPs) 664 e 665, de
30 de dezembro, como parte dos cortes de gastos necessários para o
equilíbrio fiscal. Medidas como essas costumam ser excessivamente duras
de propósito em sua versão original, justamente para deixar margem a
entendimentos que resultem em concessões destinadas a facilitar sua
aceitação.
"Nós vamos no dia 3 escutar as centrais
sindicais. Estamos seguros da qualidade e da necessidade das medidas.
Todas elas podem, obviamente, ser qualificadas, melhoradas e ajustadas.
Para isso serve o diálogo. E é nesse processo que apostamos", afirmou o
ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto, que
participará dos entendimentos juntamente com seus colegas Nelson
Barbosa, do Planejamento, Carlos Gabas, da Previdência, e Manoel Dias,
do Trabalho.
O que não se esperava de um governo que se
proclama o defensor maior dos direitos e interesses dos trabalhadores é
que propusesse aquelas medidas sem ouvir antes a opinião das entidades
que os representam. Pegas assim de surpresa, e sentindo-se
marginalizadas no trato de questões de grande importância para elas, as
centrais sindicais reagiram com dureza. E unidas - desde as simpáticas
ao governo, como Central Única dos Trabalhadores (CUT), até a Força
Sindical, que com frequência se alia à oposição -, o que tem sido raro
nos últimos anos. Foi certamente isso que levou o governo, temendo pelo
futuro das MPs no Congresso, a investir pesado no diálogo, com a
participação de quatro ministros.
Deixando de lado esse
escorregão, o princípio que orientou as duas MPs - cortar excessos na
concessão de benefícios, tendo em vista a necessidade imperiosa de
conter gastos - estava certo. No que se refere ao seguro-desemprego -
para citar o caso que tem merecido mais atenção das centrais -, procede o
argumento do governo, na exposição de motivos da MP 665, de que "tão
importante quanto a criação de um programa é o seu redesenho, afinal de
contas, a sua própria efetividade é determinante para que o público-alvo
seja revisto ao longo do tempo".
Nesse redesenho se propõe
aumentar de 6 para 18 meses a carência para o primeiro pedido de
seguro-desemprego; e de 6 para 12 meses, para o segundo. As centrais
querem reduzir o prazo da primeira solicitação para 12 meses e a
manutenção dos 6 meses na segunda. Um acordo com base em propostas
intermediárias parece possível. O mesmo pode acontecer em outros casos,
como os do abono salarial e auxílio-doença.
Maior atenção
vem sendo dada a esses pontos porque as restrições aos benefícios de que
eles tratam têm efeitos a curto prazo. Já as consequências das
restrições às pensões por morte, tratadas pela MP 664, são mais
distantes, mas não menos importantes. Também é evidente a necessidade -
que vem de longe e independe da pressão por corte de gastos - de
eliminar situações injustificáveis, como a das chamadas viúvas ou viúvos
jovens com direito à pensão vitalícia. Propõe-se, o que é razoável, que
o benefício varie de acordo com a expectativa de vida.
O
que nem de longe é razoável é que mesmo nos casos em que ela é
vitalícia, tendo em vista a idade mais avançada do beneficiário, passe a
valer a regra estabelecida pela MP de que a pensão deixada pelo cônjuge
falecido seja de apenas 50% do valor original, desde que não inferior
ao salário mínimo.
Um exemplo basta para ilustrar bem essa
situação. A viúva, dona de casa, de um aposentado que ganhava pensão de
dois salários mínimos - caso que não é excepcional - terá seu benefício
reduzido a apenas um. Como as despesas fixas da casa não diminuem com a
morte do cônjuge, a viúva se verá em sérias dificuldades. Em outras
palavras, se tal regra for mantida em casos como esse, a situação
passará de um extremo a outro - a das inaceitáveis jovens viúvas ricas
de hoje para a de velhas viúvas miseráveis de amanhã, o que é igualmente
inaceitável.
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