quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Desafiada por Putin e extremistas, Europa explorará suas forças
Sylvie Kauffmann - TINYT
Andrei Stasevich/AP
Há algum tempo, graças ao meu nome que soa judeu, apesar de ter sido criada em uma família católica, sou abençoada com todo tipo de e-mails de Israel –corretores imobiliários de Tel Aviv, boas ofertas de viagem, mensagem de apoio às tropas–, que costumo apagar sem pestanejar.
Então, há duas semanas, eu encontrei um novo convite na minha caixa de entrada: "Prepare sua Aliyah". A Aliyah (ascensão) é a palavra hebraica usada para os judeus espalhados pelo mundo que decidem se mudar para Israel. Aquele e-mail –enviado, eu suponho, para dezenas de milhares de outros nomes judeus franceses– era uma propaganda para aulas de hebraico voltadas especialmente aos judeus franceses que, assustados com os recentes ataques terroristas, podem se sentir tentados a partir.
Após o tiroteio em Copenhague, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, pediu novamente por uma "imigração em massa" dos judeus da Europa para Israel. Mas como alguém pode argumentar em prol dos judeus fugirem de seus países, seja a Dinamarca ou a França? Uma Europa sem judeus: foi isso o que os nazistas tentaram conseguir. Isso também representaria dar uma vitória imediata aos terroristas que os visam. Como mostra a reação na França e na Dinamarca, enfrentar a ameaça significa permanecer, não fugir.
A Europa enfrenta dois desafios fundamentais. Um é apresentado pelos radicais islâmicos que matam cartunistas, judeus e membros das forças de segurança, preferivelmente aqueles de origem étnica diversa. Os ataques deles visam duas marcas das sociedades ocidentais: liberdade de expressão e diversidade. Os ataques foram executados em países onde o pluralismo –de ideias, religião, política, etnia e língua– é uma parte fundamental da identidade nacional. Esse desafio vem do Sul e de seus grupos terroristas extremistas.
O outro desafio vem do Leste: a determinação do presidente Vladimir Putin de mudar as regras da ordem internacional, estabelecidas na Europa após a Guerra Fria. Essa ordem já foi testada antes, mas hoje ela está genuinamente sob ameaça na Ucrânia. De novo, por meio do ataque russo à Ucrânia, uma parte fundamental da identidade europeia está sendo atacada.
E como a Europa reage? Meu colega Jochen Bittner, do jornal alemão "Die Zeit", escreveu neste jornal em 12 de fevereiro que estamos sendo atacados por uma "doença autoimune", argumentando que "duas virtudes fundamentais do Ocidente, dúvida e consciência, estão se voltando contra seus inventores". Basta comparar o discurso de posse de John F. Kennedy em 1961, ele diz, com as declarações atuais da chefe de política externa da União Europeia, Federica Mogherini, para ver como o Ocidente afundou no vazio. (Bittner acredita que o apelo de Mogherini a Moscou para que use sua "influência considerável" sobre os separatistas na Ucrânia estava "permeada de insegurança".)
Eu discordo. O mundo atual é muito mais complexo do que o mundo bipolar da Guerra Fria. Comparar a chefe de política externa da União Europeia, com todas as suas restrições estruturais, ao então líder do mundo livre é bastante injusto. Não havia nenhuma Federica Mogherini em 1961, porque a Comunidade Europeia ainda estava em sua infância, com apenas seis países membros. Hoje, com 28 países, a União Europeia é muito mais complicada de administrar, mas também mais poderosa: basta perguntar às autoridades russas como se sentem a respeito das sanções europeias e americanas. O povo ucraniano que se ergueu e lutou na Maidan em Kiev, para defender seu direito a um acordo de associação, acenando a bandeira europeia, também é testemunha do poder de atração da União Europeia.
Sim, o Ocidente falhou nos últimos 15 anos, da desastrosa "guerra ao terror" global à crise financeira. Ele voltou atrás na Síria e se enganou terrivelmente a respeito de Putin. Mas não é uma questão do Ocidente ser forte no passado e agora fraco. O Muro de Berlim foi erguido em 1961 e um Kennedy confiante não foi à guerra por causa dele, assim como o Ocidente não foi à guerra por Budapeste em 1956 ou por Praga em 1968.
Os novos desafios enfrentados pela Europa, e as ameaças fundamentais que representam, nos conduziram a um ponto de virada. Testemunhe o ato de desafio dos franceses, que foram às ruas em 11 de janeiro como nunca antes, em defesa da liberdade de expressão e do pluralismo, assim como os dinamarqueses na semana passada, e a impressionante demonstração de solidariedade internacional que acompanhou ambos. Testemunhe a participação de vários países europeus na luta contra o Estado Islâmico e contra a Al Qaeda em Mali. Testemunhe o novo nível de cooperação entre os líderes da Alemanha e da França. O esforço conjunto da chanceler Angela Merkel e do presidente François Hollande para negociar um cessar-fogo na Ucrânia não foi uma iniciativa neutra; o Ocidente mostrou claramente estar do lado do presidente Petro Poroshenko, não de Putin.
Muito foi escrito sobre a chamada cunha inserida por Putin em torno da questão do armamento da Ucrânia. Mas o Ocidente permaneceu unido na Ucrânia, apesar das óbvias diferenças em relação à Rússia entre os Estados Unidos e a Europa, e dentro da própria Europa. Os líderes ocidentais têm sido dolorosamente lentos em aceitar a gravidade da ameaça, mas finalmente a estão encarando.
Isso é apenas o início. Do Leste, virão mais desafios. Do Sul, mais ataques. Na França, a ascensão da Frente Nacional, o crescente número de atos antissemitas e as tensões em torno da população muçulmana são apenas alguns poucos sinais da turbulência que afeta muitos países europeus, incluindo a Alemanha. Mas diante de múltiplas crises, a Europa pode e explorará suas forças. A dúvida e a consciência permanecerão virtudes poderosas, se empregadas na defesa de uma sociedade pluralista e livre. 
Tradutor: George El Khouri Andolfato

Nenhum comentário: