domingo, 1 de fevereiro de 2015

Desiludidos com a guerra, soldados israelenses emudecidos em 1967 soltam a voz
Jodi Rudoren - NYT
Um jovem soldado israelense, recém-chegado da frente de batalha, relembra sem rodeios as ordens que vinham de cima. "Eles nunca diziam: 'não deixem ninguém vivo', mas falavam: 'não demonstrem nenhuma piedade'", explica ele. "O comandante da brigada disse para matar o maior número possível."
Outro se lembra de encontrar árabes no alto dos telhados. "São civis – devo matá-los ou não?", ele se perguntou. "Eu nem pensei a respeito. Apenas mate! Mate todo mundo que você vir." E um terceiro torna pessoal: "todos nós – Avinoam, Zvika, Yitzhaki – não somos assassinos. Na guerra, todos nos tornamos assassinos."
O depoimento doloroso gravado não é da batalha sangrenta do verão passado na Faixa de Gaza, mas da guerra de 1967, quando Israel começou a lutar contra o Egito, Jordânia e Síria por sua própria sobrevivência e acabou tomando a Cisjordânia, Gaza, a Península do Sinai e parte das Colinas de Golã. Enquanto o Tribunal Penal Internacional considera a investigação de crimes de guerra no conflito recente, um novo documentário está exibindo admissões inéditas de comportamentos brutais de uma geração anterior.
O filme, "Vozes Censuradas", estreou no Festival de Cinema de Sundance no sábado, como o mais recente de uma série de filmes de cineastas israelenses de esquerda que venceram prêmios no exterior ao apresentar visões duras sobre sua própria sociedade. Baseado em entrevistas que os militares editaram bastante na época, ele inclui relatos de israelenses que executaram sumariamente prisioneiros e evacuaram vilarejos árabes de uma maneira que um dos combatentes comparou ao tratamento dado pelos nazistas aos judeus europeus.
A diretora, Mor Loushy, disse em uma entrevista que estava tentando reformular a narrativa prevalecente de triunfo de Israel em 1967 à luz do que aconteceu desde então, e que o filme "é muito relevante para hoje".
Mas com Israel cada vez mais encolhido de forma defensiva no cenário internacional, o filme levanta preocupações de que, visto sem consideração pela ameaça existencial que Israel enfrentava na época, ele pode se tornar combustível para os críticos contemporâneos.
"As pessoas no exterior que não se lembram como nós as circunstâncias da Guerra dos Seis Dias transformarão isso em mais um motivo para condenar Israel", disse Yossi Klein Halevi, cujo livro "Like Dreamers", de 2013, acompanhou as vidas de um grupo de veteranos de 1967. "Se houve atos de abuso isolados por parte de nossos soldados, isso não deveria se tornar a narrativa sobre o que foi a Guerra dos Seis Dias. Muitos de nós estamos, francamente, cansados da narrativa de culpar Israel."
Questionado sobre o filme, o tenente coronel Peter Lerner das Forças de Defesa da Israel disseram que era "representativo da democracia vibrante de Israel, onde tudo pode ser e é discutido abertamente", mas não particularmente pertinente aos debates atuais sobre a conduta militar. Enquanto 1967 foi uma guerra entre estados soberanos, observou Lerner, hoje Israel enfrenta atores de "um não-estado ou um semi-estado beligerante" com armas "dispersadas por uma arena civil".
"Qualquer tentativa de estabelecer similaridades entre as duas", disse ele em um e-mail, "é fraca e não-representativa de como a guerra se desenvolveu, como o campo de batalha evoluiu e como hoje o terrorismo toma precedência em relação à guerra tradicional."
O filme d 84 minutos teve um orçamento abaixo de US$ 1 milhão, financiado principalmente por emissoras israelenses e europeias e pela produtora norte-americana de documentários Impact Partners. Intercalando as entrevistas de 1967 com imagens de arquivo da guerra e cobertura da ABC News, ele deixa clara a ameaça iminente a Israel – e daí a reviravolta surpreendente que os historiadores militares há muito consieram um fenômeno.
Além dos relatos sobre mortes de prisioneiros e civis, talvez o elemento mais chocante do filme é que depois de uma semana ou duas do fim da guerra, esses soldados – do movimento de kibbutz socialistas de Israel – questionaram sua validade.
"Acho que na próxima rodada o ódio dos árabes contra nós será bem mais sério e profundo", diz um. Já ambivalente sobre a ocupação do território palestino, outro se preocupa: "não só esta guerra não resolveu os problemas do estado, mas complicou-os de uma forma que será muito difícil de resolver."
Como disse Loushy: "Esta é a história de homens que foram para a guerra sentindo que tinham que defender suas vidas, e eles estavam certos, é claro, mas saíram em uma posição e voltaram como conquistadores."
"Se essas vozes tivessem sido publicadas em 1967", disse ela, "talvez nossa realidade aqui fosse diferente."
Algumas das vozes foram publicadas na época em "Uma Conversa com Combatentes", uma coleção editada por Avraham Shapira que vendeu surpreendentes 120 mil cópias em Israel. (A versão em língua inglesa é chamava "O Sétimo Dia".) Halevi disse que sua publicação "foi o momento em que parte da sociedade israelense começou a ficar mais sóbria depois da euforia."
Quando Loushy, 32, tropeçou em uma cópia ao pesquisar para um artigo de história, ela foi atraída pela diferença de tom em relação à história sobre 1967 que ela aprendeu na escola. Ela persuadiu Shapira, um morador de kibbutz idoso e professor de filosofia, a compartilhar as entrevistas originais gravadas em áudio que ele havia negado a legiões de jornalistas e historiadores.
"Se você ouve – não ouvir, mas escutar – às gravações, há uma sinfonia de sons: há gritos, choros, lamentos reais", disse Shapira em uma entrevista. "Eles antecipavam o que poderia acontecer se não trabalhássemos imediatamente pela paz, praticamente para devolver todos os territórios ocupados. Eles expressam isso como um sentimento interior, não como política."
Ele disse que os soldados atuais disseram a ele que acharam essas entrevistas antigas "uma expressão pessoal profunda de sua própria moral e dilemas humanos."
Loushy, cujo filme anterior, "Israel Ltd." tentou desmascarar a propaganda sionista, ouviu 200 horas de fitas ao longo de oito meses, a maior parte das quais os censores haviam impedido a publicação no livro. Ela entrou fundo no projeto antes de descobrir que o filme, também, seria submetido à censura, disse ela.
Israel proíbe os cineastas de revelar o quanto foram obrigados a mudar, e o departamento de censura dos militares recusou-se a discutir.
"Para nós, enquanto sociedade, para consertamos e melhorarmos a nós mesmos, não podemos censurar", disse Loushy. "Acho que é importante que olhemos a verdade nos olhos."  
Tradutor: Eloise De Vylder

Nenhum comentário: