Rodrigo Constantino - VEJA
Duas características, ao menos, precisam
estar presentes para se identificar um legítimo intelectual: o
pensamento independente e o pensamento crítico. Ou seja, intelectual é
aquele que ousa pensar por conta própria, sem seguir necessariamente o zeitgeist, remando muitas vezes contra a maré do momento; e o faz de forma crítica, i.e., contesta o status quo,
está sempre buscando brechas ou falhas nas estruturas do pensamento
dominante. Um intelectual subserviente ao governo é um oxímoro portanto,
algo contraditório, que não faz sentido.
Por isso uso sempre o termo entre aspas
para me referir aos “intelectuais” de esquerda, esses que adoram uma
simbiose com o governo, em troca de benesses estatais, privilégios,
poder. No Brasil, tais “intelectuais” ajudaram, e muito, a criar o mito
do metalúrgico honesto que iria salvar a Pátria das garras das elites
insensíveis e corruptas. O PT foi formado por “intelectuais”, por gente
que não pensa de forma crítica e independente, mas sim mancomunada com a
sede pelo poder.
E, uma vez lá, curvaram-se totalmente a
ele, tornando-se nada mais do que propagandistas do regime, relações
públicas do partido no poder. Abdicaram da verdadeira função
intelectual, que é pensar o país, o futuro, e adotar tom crítico ao
presente, apontando as falhas do país. Os exemplos são infindáveis e as
figuras conhecidas, mas o mais evidente caso talvez seja a recente carta
“em defesa da Petrobras”, ou seja, em defesa da quadrilha que assaltou a
estatal do povo brasileiro. Foi o assunto do excelente texto de Demétrio Magnoli no GLOBO hoje:
Num
lance vulgar de prestidigitação, o texto dos “intelectuais de esquerda”,
assinado por figuras como Marilena Chaui, Celso Amorim, Emir Sader,
Fabio Comparato, Leonardo Boff, Maria da Conceição Tavares e Samuel
Pinheiro Guimarães, apresenta-se como uma defesa da Petrobras — mas, de
fato, é outra coisa.
O ofício
intelectual não combina bem com manifestos. Dos intelectuais, espera-se
o pensamento criativo, a crítica do consenso, a dissonância — não o
chavão, a palavra de ordem ou o grito coletivo. Por isso, eles deveriam
produzir manifestos apenas em circunstâncias excepcionais. Os
“intelectuais de esquerda”, porém, cultivam o estranho hábito de assinar
manifestos. Vale tudo: crismar um crítico literário como inimigo da
humanidade, condenar a palavra equivocada no editorial de um jornal,
tomar o partido de algum ditador antiamericano, denunciar a opinião
desviante de um parlamentar. O manifesto sobre a Petrobras é parte da
série — mas, num sentido preciso, distingue-se negativamente dos demais.
[...]
A
Petrobras não foi derrubada à lona pelo escândalo revelado por meio da
Lava-Jato, que apenas acelerou o nocaute. Os golpes decisivos foram
assestados ao longo de anos, pela política conduzida nos governos
lulopetistas, sob os aplausos extasiados dos “intelectuais de
esquerda”.
[...]
Os
“intelectuais de esquerda”, móveis e utensílios do Planalto, escreveram
o manifesto para, preventivamente, atribuir a mudança de rumo aos
“conspiradores da mídia”. Por meio dessa trapaça, conciliam a fidelidade
ao “governo popular” com seus discursos ideológicos anacrônicos. Ficam
com o pirulito e a roupa limpa.
[...]
Franklin
Martins, o verdadeiro autor do manifesto, cometeu um erro tático ao
colocar seu nome entre os signatários. Ao fazê-lo, o ex-ministro
descerra o diáfano véu de independência que cobriria a nudez do texto. O
manifesto não é a “voz da sociedade”, nem mesmo de uma parte dela, mas a
Voz do Brasil. Nasceu no Instituto Lula, como elemento de uma operação
de limitação dos efeitos da Lava-Jato. Enquanto os “intelectuais de
esquerda” assinavam uma folha de papel, Lula reunia-se com
representantes do cartel das empreiteiras e Dilma preparava o “acordo de
leniência” destinado a restaurar os laços de solidariedade entre as
empresas e os políticos.
A desgraça do Brasil é ser um país
dominado por esses “intelectuais”. O fenômeno não é exclusividade nossa,
mas aqui eles conseguiram conquistar espaço demasiado. Doutrinam
milhões de mentes jovens por ano, ocupam colunas em jornais cujos donos,
vistos por eles mesmos como ícones da “elite burguesa golpista”, cedem a
corda que poderá enforcá-los, por covardia ou ignorância.
Esse talvez seja o grande paradoxo
brasileiro, o sintoma que resume bem nosso quadro de doença mental
coletiva que permitiu doze anos de PT no poder, apesar de tantas
falcatruas, crimes e incompetência: nossos “intelectuais” são justamente
aqueles que se recusam a pensar! Ou, quando o fazem, é deixando de lado
a ética e a honestidade, agindo sem um pingo de vergonha na cara…
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