Parlamentares aproveitam os ventos reformistas e ressuscitam propostas como o “distritão”, para tentar se reeleger e, assim, impedir uma renovação maior do Congresso
O Globo
Que o Brasil necessita de uma reforma política, sabe-se faz tempo. Mas a falta de consenso mínimo em um tema tão polêmico — por envolver interesses concretos de muitas legendas — sempre foi um empecilho a qualquer avanço neste terreno.
Até que se conseguiu, no Senado, aprovar proposta de emenda constitucional para reduzir o número excessivo de partidos com direito a acesso amplo ao Fundo Partidário e outras prerrogativas, como o programa eleitoral em TV e rádio, mudança a ser feita por meio de instrumento usual em fortes democracias — cláusula de desempenho, para impedir que legendas sem votos tenham tratamento igual ao concedido aos grandes partidos.
Propõe-se, ainda, outra alteração acertada, o fim das coligações em pleitos proporcionais, para que o eleitor saiba ao certo o destino do seu voto.
Na aprovação, até agora, da proposta de emenda, não se pode menosprezar o efeito sobre o Congresso de uma opinião pública estarrecida com o caráter multipartidário da corrupção, sem deixar de fora, é claro, pequenas legendas especializadas em vender apoios, de forma literal. Sempre se soube, e agora delações à Lava-Jato confirmam este mercado.
O fato é que a emenda constitucional, dos tucanos Ricardo Ferraço (ES) e Aécio Neves (MG), foi aprovada no Senado e falta ser sancionada na Câmara. Mas, numa crise como esta, em que se clama por uma funda renovação nos quadros da política, há no Congresso quem queira aproveitar os ventos reformistas para garantir a própria reeleição em 2018.
Por isso, ressurge a ideia do “distritão”, já defendida no passado pelo então vice-presidente Michel Temer. Por este sistema, cada estado é convertido em um distrito, elegem-se deputados os mais votados, sem coligações e sem considerar a votação recebida pelos partidos. A simplicidade da fórmula é cativante, mas esconde trampas.
Uma delas, evidente, a de relegar o partido a segundo plano, ruim para o sistema de democracia representativa. Outro péssimo efeito colateral é privilegiar os políticos já conhecidos e os chamados puxadores de votos. Quer dizer, degradação da qualidade da representação e nada de renovação política. Há ainda quem veja o “distritão” como etapa para o “distrital misto”, outro equívoco.
Enquanto a crise se move, aumenta a febre de invencionices. Mesmo líderes do tamanho de Fernando Henrique Cardoso se deixam inebriar por este clima. Em artigo publicado ontem na “Folha de S.Paulo”, FH expôs a proposta de que Temer faça o gesto da renúncia, enquanto convoca eleições, talvez, para um mandato presidencial de cinco anos, sem reeleição. Inclusive pleito congressual. Não são apenas as dificuldades práticas de tamanho reboliço que desaconselham o cavalo de pau no transatlântico. Há inconsistências na bandeira de FH. Por exemplo, o Congresso não é legítimo para enfrentar a crise, mas o é para aprovar a antecipação de eleições. Não faz sentido.
Além disso, o presidente Temer, na verdade, é vítima de atos de que participou, não devido a uma suposta mídia propensa a escândalos, nem a alguma sanha persecutória e fundamentalista de procuradores. Por tudo isso, melhor seguir o que está escrito na Carta e em leis.
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