terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

COMO A ALEMANHA VÊ A CRISE NA UNIÃO EUROPEIA

Alemanha terá de enfrentar a hostilidade dos vizinhos europeus
Jan Fleischhauer - Der Spiegel
O parlamento alemão deveria aprovar um novo pacote multibilionário de ajuda financeira à Grécia, mas em vez de agradecimentos, os europeus do sul estão manifestando antipatia em relação a nós. Os alemães terão de se acostumar ao seu novo papel: nós nos tornamos nos norte-americanos da Europa.
Eis aqui uma ideia. Os relatórios policiais costumam excluir a origem étnica dos perpetradores de crimes. Por que não aplicar essa prática à crise europeia? Nós poderíamos deixar de mencionar quais são os países que estão recebendo ajuda. Em vez de especificar que estamos ajudando gregos ou portugueses, nós poderíamos informar apenas que o beneficiado é um país do sul da Europa – ou, melhor ainda, que são os nossos camaradas europeus do sul.
Talvez isso ajudasse a melhorar o clima atual na Europa. Atualmente é necessário ter muito cuidado com o que se diz. Basta uma declaração descuidada para que o indivíduo seja esmagado por uma onda emocional. Eu sei sobre o que estou falando. Após o acidente com o navio de cruzeiro perto de Giglio, na Itália, eu fiz um comentário irreverente sobre os italianos que pareceu ter provocado a indignação de metade da Itália. O embaixador italiano em Berlim chegou até a me repreender. Realmente, eu estou satisfeito pelo fato de a Itália integrar a Zona de Schengen. Após ter lido o que a imprensa italiana escreveu sobre mim, eu não sei se eles me deixariam voltar à Itália.
Em minha defesa eu posso dizer que não sou o único a ter involuntariamente provocado um problema diplomático nesta era difícil. Quem poderia ter pensado que há pessoas em Atenas que também escutam a rádio SWR 2? Mas o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, mal tinha acabado de conceder uma entrevista a essa estação de rádio pública na sua região nativa do sul do país, sobre as iniciativas de políticos gregos para implementar reformas, quando foi acusado de menosprezar os gregos. “Quem é Herr Schäuble para insultar a Grécia?”, disparou o presidente grego, Karolos Papoulias, contra Berlim. Schäuble, também, aparentemente subestimou o quanto é fácil insultar o povo do sul do continente.
A chanceler usando um uniforme nazista
Os sentimentos em relação aos alemães não são muito bons na região neste momento. Praticamente todos os dias a chanceler Angela Merkel é retratada em algum país em caricaturas que a mostram usando um uniforme nazista. Também passou a ser comum ver suásticas nos jornais desses países. E o fato de nós termos aprovados de boa fé um plano de ajuda econômica atrás do outro não parece ter ajudado em nada. Se as avaliações dos especialistas estiverem corretas, nós já passamos há muito do ponto em que estávamos apenas fornecendo garantias de empréstimos.
Grande parte dos 130 bilhões de euros a serem aprovados pelo parlamento alemão na segunda-feira (27) jamais voltará a ser vista por nós. Mas quem lê os editoriais dos jornais das regiões em crise, para as quais o dinheiro é destinado, é levado a acreditar que nós estamos tentando fazer aquilo que os nossos avós não conseguiram 70 anos atrás (e isso apesar do fato de as pesquisas sobre Hitler fora da Grécia serem unânimes em apontar que o nacional-socialismo não lançou a sua tirania sobre a Europa a partir de um pacote de ajuda financeiro).
Não demorará muito para que eles comecem a queimar bandeiras alemãs. Mas, um momento, eles já estão fazendo isso. Antigamente nós só víamos isso em países árabes, nos quais a juventude não perdia nenhuma oportunidade para marchar pelas ruas manifestando a sua fúria contra o Grande Satã, os Estados Unidos. Mas é isso o que ocorre quando outros acreditam que um país teve demasiado sucesso e que ele é autoconfiante e forte demais. Nós nos transformamos agora nos norte-americanos da Europa. E desempenhar tal pepel também não será nada fácil – podemos afirmar isso com certeza hoje em dia. Nós, alemães, estamos acostumados a que as pessoas nos admirem pela nossa eficiência e espírito de trabalho – e não a sermos odiados por isso.
Mas antes de reclamarmos demais sobre toda essa ingratidão, devemos nos lembrar de que nós próprios passamos anos fazendo esse jogo. Enquanto o vilão global eram os Estados Unidos, os alemães não perderam oportunidade para se sentirem bem às custas dos outros. Os norte-americanos também tinham todos os motivos para esperar um pouco mais de gratidão – afinal, eram os soldados deles que tinham de interferir quando um ditador em algum país procurava concretizar as suas fantasias sangrentas enquanto a comunidade internacional assistia de braços cruzados.
As pessoas passaram a confiar secretamente nos Estados Unidos como um policial global da mesma maneira que os vizinhos da Alemanha estão agora esperando que os alemães salvem o euro. Infelizmente, porém, o sentimento de inferioridade pode ser tão feroz quanto o de superioridade.
Comprar a simpatia do vizinho
É claro que podemos tentar parecer menores do que realmente somos. Mas essa negação dos fatos não funciona. Os norte-americanos não eram muito mais populares durante o governo de Jimmy Carter do que durante o de Ronald Reagan, apesar do fato de o presidente nativo do Estado da Geórgia ter sido tão benévolo e cheio de escrúpulos morais que a sua preferência provavelmente seria simplesmente deixar de governar. A eleição de Obama também não contribuiu muito para melhorar a imagem dos Estados Unidos no longo prazo. Um gigante não tem como ocultar o seu tamanho por muito tempo.
É possível também tentar comprar a simpatia dos vizinhos. De certa forma, foi exatamente essa a política seguida pela Alemanha na Europa durante décadas. É por isso que o que não falta são políticos concentrados em questões europeias que recomendam a continuação daquela política – o que significaria essencialmente nada mais do que assumir mais dívidas dos parceiros europeus por meio de uma intervenção mais enérgica do Banco Central Europeu ou por meio de títulos do euro. Mas ao que parece as quantias envolvidas são grandes demais para que os ânimos sejam acalmados por uma simples transferência bancária. Afinal de contas, isso não diz mais respeito a pagar por alguns subsídios desperdiçados, como os infames lagos de leite e montanhas de manteiga da União Europeia que foram subsidiados com dinheiro alemão.
Estamos falando de déficits orçamentários tão enormes que economias de países inteiros estão sendo engolidas por eles. Nós provavelmente teremos de simplesmente nos habituar por algum tempo ao fato de que a Alemanha não será um país muito popular em alguns países da Europa. No pior dos cenários, nós poderemos passar as nossas próximas férias nos Estados Unidos para uma mudança de ares. Ou poderemos simplesmente dizer que somos suíços – já que no momento ninguém parece ter qualquer problema quanto a eles.
Tradução: UOL

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