quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

'Kiev foi tomada por fascistas', diz líder de milícia ucraniana pró-Rússia
Louis Imbert - Le Monde
Na segunda-feira (24), na praça da prefeitura de Sebastopol, o grande porto da Crimeia no leste russófono da Ucrânia, um gigante loiro de rosto avermelhado atravessa a multidão, resfolegante. "Onde é que eu me inscrevo para a milícia?", ele pergunta. Alguém indica para Alexei Nitchik um estande onde se pode registrar rapidamente nas brigadas de autodefesa criadas ali no sábado (22) para "defender a cidade", em contraposição às de Kiev e do oeste revolucionário.
Com a Ucrânia ainda sem primeiro-ministro e a autoridade do poder central ainda por se afirmar, um vazio político se abriu nas províncias do Leste. Em Sébastopol, povoado por uma maioria de russos e consternado pelo "golpe de Estado" de Kiev, uma multidão tomou conta da prefeitura na segunda-feira, algumas horas depois que Nitchik entrou para a milícia, e lá ela forçou a instalação de um novo prefeito na segunda-feira à noite. A polícia da cidade, que mal se via em torno da multidão, não interveio.
O prefeito anterior de Sebastopol renunciou e deixou a cidade após a debandada do governo central. É um cargo delicado. A cidade abriga a frota do Mar Negro do exército russo. Um dos primeiros gestos de Yanukovitch depois que ele chegou ao poder, em 2010, fora renovar seu contrato, que vale até 2042. Por esses motivos, o principal administrador de Sebastopol não é eleito por seus habitantes, mas sim nomeado diretamente pela presidência.
Só que "não há mais presidência", declarava na segunda-feira diante da prefeitura Gennady Bassov, líder do Bloco Russo (Ruski Blok), um grupo radical que milita pela reanexação da Crimeia à Rússia, e que tem encontrado nos atuais acontecimentos uma audiência inédita. "Kiev foi tomada por grupos fascistas, pessoas armadas que já chegaram a Kharkiv e a Donetsk", as grandes cidades do Leste, "e que virão até nossa região se não fizermos nada", ele avisa.
Esse discurso reflete os posicionamentos de Moscou, na segunda-feira (24), depois que seu embaixador em Kiev foi chamado de volta. Vladimir Putin se manteve calado sobre a Ucrânia. Mas as outras mensagens, tanto para dentro como para fora, eram bem claras. Em Moscou, sete manifestantes foram condenados a penas que chegavam a até quatro anos de prisão, por terem protestado na véspera da posse do presidente russo, no dia 6 de maio de 2012. Putin deixou o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev, exprimir as "sérias dúvidas" de Moscou sobre a legitimidade do poder central em Kiev. "Se considerarmos que as pessoas que andam por Kiev portando máscaras e AK-47s são o governo, então será difícil para nós trabalharmos com tal governo", ele disse.
Essa declaração, em Sebastopol, suscitou alívio entre os manifestantes. Mas, por trás das declarações exageradas das autoridades russas, a posição do Kremlin parece contida. Do morro que domina o centro da cidade de Sebastopol, onde está sediado parte do estado-maior da frota russa, não se ouviu nem um pio na segunda-feira, embora a cidade estivesse em rebelião contra as autoridades de Kiev.
O conselheiro municipal Gennady Bassov e alguns outros lançaram a rebelião no sábado, na praça do Almirante Nakhimov, defensor da cidade durante o cerco franco-britânico da guerra da Crimeia. Cerca de 3 mil pessoas receberam como heróis um grupo de Berkut (tropas de choque), que voltaram derrotados da batalha de Kiev. No domingo, dez mil pessoas voltaram a se reunir no local. Brigadas de autodefesa foram formadas. A multidão elegeu seu novo prefeito em votação aberta.
O eleito foi um industrial originário da cidade, Alexei Tchaly. Ele reside em Moscou, onde estabeleceu a sede de sua empresa, Tavrida Electrics, especializada em equipamentos elétricos e atuante em cerca de vinte países. Seu primeiro discurso político que chamou atenção na Crimeia foi no final de novembro de 2013. Na época, ele louvou a decisão de Viktor Yanukovitch de desistir do acordo da associação com a União Europeia para se aproximar da Rússia, que sem isso teria fechado seu mercado às indústrias da Crimeia, segundo ele.
Sua eleição, por uma multidão em fúria, não tem nada de legal, mas a ocupação que os manifestantes anti-Yanukovitch fizeram da sede administrativa de Lviv, no oeste, em réplica sísmica da Maidan, também não tem. No dia seguinte, Tchaly argumentava com funcionários da prefeitura, para estabelecer sua autoridade. Já Gennady Bassov barrava a porta do edifício com uma centena de homens. Havia ali alguns "lobos cinzentos", os motoqueiros com quem o presidente russo Vladimir Putin gosta de aparecer, muito ativos na Crimeia.
"Os nacionaistas ucranianos farão de tudo para apagar nossa cultura, nossa história", acredita Galena Pirojenko, livreira no centro da cidade que veio esperar, sob as janelas do conselho municipal, que os parlamentares se pronunciem sobre a candidatura de Tchaly. Pirojenko, de 57 anos, só vende livros russos – ela acredita que ninguém teria a ideia de comprar ali uma obra em ucraniano. Ela não suportou ver o Parlamento abolir, no sábado, a lei sobre as línguas regionais, que concediam ao russo um status de língua oficial no Leste e no Sul. "Éramos um grande povo. Hoje, nossos filhos já são metade analfabetos, eles falam mal o russo", ela lamenta.
Assim como o leste industrial e russófono da Ucrânia, a Crimeia não teme a dominação russa: ela simplesmente existe. Os russos, estabelecidos na região desde o reinado de Catarina 2a, representam aqui cerca de 60% da população, com 2 milhões de habitantes. Então, quando Galena Pirojenko quer explicar seu enorme medo da revolução de Kiev, as noites que passou na internet olhando imagens de tumultos divulgadas pelos canais russos de televisão e pelas redes ucranianas, os dias em que esteve pendurada na rádio Svoboda (Radio Free Europe), em sua livraria, ela fala primeiro de história. Do "presente" dado por Nikita Kruschev, da Crimeia russa para a Ucrânia em 1954. Da recusa de Boris Yeltsin de retomar a península após a queda do bloco soviético. Dos "vinte anos de humilhação" sofridos desde então.
No entanto, entre esses manifestantes, fala-se mais no temor da desordem do que no desejo de volta para a Rússia, que tem tantas complicações. É o caso de Vladimir Martinienko, 63, ex-membro do Partido Comunista local e que desde 1991 possui 5 hectares de terra em Sebastopol. Martinienko havia começado a construir ali uma zona industrial. Ele diz ter sido vítima de uma incursão, teleguiada por um funcionário do Parlamento de Kiev, que o forçou a ceder o lugar, alguns anos mais tarde, sob ameaça de "pequenos ataques" armados. Após treze anos de batalhas na Justiça, Martinienko recuperou suas terras em 2011. "A Justiça havia recomeçado a funcionar com Yanukovitch", ele comemora. Ele só precisava de investidores, ele tinha bons apoiadores. E eis que a revolução caiu na sua cabeça. No domingo, ele participou de uma manifestação a favor de Tchaly e da "estabilidade".
Na noite de segunda-feira, foi preciso insistir junto aos conselheiros municipais para conseguir isso. Alguns por temor de Kiev, por legalismo, haviam se recusado a aprovar a posse. Eles foram intimados pela multidão, milhares de pessoas mal cercadas por alguns policiais no final do dia, a votar novamente. Eles cederam. No meio tempo, oficiais de polícia começaram a patrulhar o centro da cidade, a uma boa distância da prefeitura.

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