sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Líderes latino-americanos respondem de modo contido aos distúrbios na Venezuela


Damien Cave - NYT
Luis Robayo/AFPCarros pegam fogo no Cotattur, órgão de turismo de Tachira, durante protesto contra o governo de Nicolás Maduro, em San Cristobal, capital do Estado de Tachira, na Venezuela Carros pegam fogo no Cotattur, órgão de turismo de Tachira, durante protesto contra o governo de Nicolás Maduro, em San Cristobal, capital do Estado de Tachira, na Venezuela

Quando o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, chegou a Havana para uma reunião regional no mês passado, a solidariedade latino-americana e caribenha parecia triunfante. Os Estados Unidos não foram convidados, e em um discurso após o outro, os líderes da região expressaram confiança em um futuro unido e compartilhado.
Maduro em particular, frequentemente sorrindo ao lado do presidente de Cuba, Raúl Castro, enfatizou que a América Latina continuaria em seu próprio caminho de paz, separado dos "interesses imperiais" dos Estados Unidos.

"Com sua visão de dinossauro, eles não entendem o que está acontecendo e o que acontecerá em nossa vida econômica, social e política nos próximos anos", ele disse.
Mas agora, enquanto a Venezuela cambaleia com os maiores protestos de rua desde a morte do ex-presidente Hugo Chávez, é a região que parece incerta e dividida sobre como responder.
A maioria das declarações vindas dos governos latino-americanos e entidades regionais lamenta as mortes de pelo menos quatro pessoas nas recentes manifestações e pede pelo diálogo. Mas críticas fortes a qualquer lado, culpa, ameaças e exigências –antes reações comuns em crises anteriores, como ao governo de mão pesada de Alberto Fujimori no Peru, nos anos 90, argumentam o analistas– são raras.
"Agora é: 'Nós estamos concentrados na democracia em nosso próprio país, mas se algo acontece em um vizinho, nós não diremos nada'", disse Michael Shifter, presidente da Diálogo Interamericano, um fórum de políticas. "Isso é uma mudança."

Muitos especialistas argumentam que a resposta contida reflete grandes mudanças no poder e nos governos. As políticas latino-americanas costumavam ser mais polarizadas e voláteis. Ao longo de grande parte do século 20, guerras civis e governos repressivos lançaram longas sombras na região. Os Estados Unidos também exerciam um papel autoritário, escolhendo líderes e apoiando golpes, geralmente por temor do comunismo.
Havia divisões ideológicas mais profundas e, em grande parte, dois tipos de governos latino-americanos: liderados pelos militares ou democraticamente eleitos. A meta para a região, como foi articulado na Carta Interamericana de 2001 da Organização dos Estados Americanos, parecia ser uma jornada do primeiro para o segundo, uma transformação que a região realizou em um grau notável.
Agora, os desafios em muitos países frequentemente envolvem menos chegar à democracia e mais atender as expectativas criadas pela democracia.
Os Estados Unidos ainda são um objeto comum de desprezo e culpa: Maduro expulsou três diplomatas americanos da Venezuela nesta semana, os acusando de recrutar estudantes para as manifestações violentas; e na sexta-feira, ele revogou as credenciais de imprensa dos jornalistas da "CNN". Mas a dinâmica regional e interna cada vez mais se distancia de Washington.
Os americanos podem financiar grupos da sociedade civil na região, mas seria um exagero atribuir os imensos protestos de rua do ano passado no Brasil, os protestos indígenas na Bolívia ou o levante da polícia no Equador nos últimos anos aos "interesses imperiais" dos Estados Unidos.
A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, ou CELAC, e outras entidades regionais representam uma tentativa de solidariedade, separada dos Estados Unidos, e os países latino-americanos às vezes se unem a respeito da intervenção em algumas disputas domésticas, particularmente quando presidentes são removidos sumariamente. Em 2009, o hemisfério, incluindo os Estados Unidos, se uniu para condenar a derrubada do presidente de Honduras, Manuel Zelaya. Mais recentemente, os países sul-americanos puniram o Paraguai pela remoção do presidente Fernando Lugo, em 2012.
Mas fora a remoção de um presidente –como as restrições à imprensa no Equador, os muitos abusos de direitos humanos pelos militares no México ou, nesta semana, a prisão de um líder da oposição na Venezuela– os países na região frequentemente parecem hesitantes em interferir nos assuntos dos vizinhos.
"O verdadeiro desafio na região agora é como lidar uns com os outros nessas coisas", disse Joy Olson, diretor executivo do Escritório de Washington para a América Latina, um grupo de defesa. "Quando há governos eleitos democraticamente que acabam minando direitos democráticos e liberdades civis –e é possível colocar muitos países nesse pote, incluindo os Estados Unidos– como se deve lidar com isso? É isso tudo que está sendo renegociado."
A maior integração econômica parece exercer um papel importante. A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, não comentou sobre a crise na Venezuela, e com as empresas brasileiras colhendo frutos de seu ingresso na Venezuela, o governo dela tem apoiado tacitamente Maduro nas declarações das principais organizações regionais da América do Sul, a Unasul e o Mercosul, este uma organização comercial na qual o Brasil exerce um papel proeminente. As críticas das declarações não foram direcionadas para Maduro, mas sim às "tentativas de desestabilizar a ordem democrática".
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo, também contornou qualquer crítica a Maduro.
Outros países que se beneficiaram com a "petropolítica" da Venezuela –com acordos favoráveis de energia distribuídos por toda a América Central e Caribe– se mantiveram em silêncio ou apoiaram Maduro. O presidente da Bolívia, Evo Morales, um aliado que compra petróleo venezuelano em termos favoráveis, falou várias vezes publicamente em apoio a Maduro e acusando os Estados Unidos de tentarem desestabilizar a Venezuela.
De fato, a política tradicional da região não foi exatamente exorcizada. Os presidentes que chegaram mais perto de criticar Maduro são Ricardo Martinelli, do Panamá, Juan Manuel Santos, da Colômbia, e Sebastián Piñera, do Chile, líderes de países que abraçaram políticas mais voltadas ao mercado do que os outros na região.
Os Estados Unidos também aumentaram suas críticas. Na quarta-feira, o presidente Barack Obama pediu à Venezuela que solte os manifestantes presos e rejeitou as acusações de interferência americana. "Em vez de tentar distrair de seus próprios fracassos, inventando acusações falsas contra diplomatas dos Estados Unidos, o governo deveria se concentrar em tratar das queixas legítimas do povo venezuelano", ele disse.
Mesmo assim, os analistas notam que tem havido menos disputas do que nos anos anteriores, mas também não muita diplomacia. Ver líderes de 33 países latino-americanos e caribenhos se reunindo em Cuba para a reunião da CELAC, sem que os Estados Unidos e o Canadá fossem convidados, mostra o declínio da influência da diplomacia americana na região. Esse declínio contribui para o que Shifter descreveu como uma postura americana de "Tudo bem, vamos ver como eles se saem sem nós".
Pairando por trás de tudo isso, ele acrescentou, está Cuba.
"Sejam quais forem as críticas que alguém possa ter em relação à Venezuela", disse Shifter, "ela continua sendo a principal benfeitora de Cuba e, como testemunhamos na reunião da CELAC, se há uma questão em que todos os países latino-americanos e caribenhos concordam é na solidariedade com Cuba diante do embargo americano. Se os governos latino-americanos se erguessem contra Maduro e dissessem: 'Você precisa parar com a repressão', eles seriam vistos como enfraquecendo um governo que fornece para Cuba e sustenta o país. A política envolvida nisso é muito, muito complicada".
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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